Burke e o pensamento político
Escolhido em 1765 para secretário privado de um dos dirigentes do partido Whig no Parlamento britânico, escreveu em 1770 um panfleto - Pensamentos sobre a Causa do Actual Descontentamento (Thoughts on the Cause of the Present Discontents) - em que defendia que a intervenção cada vez mais activa do rei Jorge III nos assuntos governativos, sendo legal ia contra o espírito da constituição britânica. Mais tarde, em 1774 e em 1775, discursou no Parlamento sobre a Guerra de Independência da América britânica, em que defendia que, se as decisões do Parlamento de Londres eram de facto pautadas pela legalidade, não podiam deixar de ter em conta que as «circunstâncias, a utilidade e os princípios morais, deviam ser considerados, assim como os precedentes», na sua relação com as colónias. Isto é, o legalismo estrito do Parlamento devia ter mais respeito e preocupação pela opinião dos colonos, apelando por isso à «moderação legislativa».
Burke nunca sistematizou o seu pensamento político, que só pode ser conhecido pela leitura dos seus textos e discursos. Opondo-se desde cedo à doutrina dos direitos naturais, aceitava contudo o conceito de contrato social a que lhe juntava a ideia da sanção divina.
A sua principal obra, as Reflexões sobre a Revolução em França foram lidas por toda a Europa, incentivando os seus dirigentes a resistir à Revolução Francesa. Mas a sua posição custou-lhe o apoio dos seus amigos Whigs, sobretudo o de Charles James Fox. É que, para Burke, a Revolução em França era um fenómeno de um tipo completamente novo, e por isso não podia ser associado à Revolução Inglesa de 1688 - que tinha provocado uma mudança dinástica e constitucional ponderada e limitada - como alguns pensadores ingleses, sobretudo Whigs, vinham defendendo. Para Burke, a Revolução francesa baseava-se numa teoria, a teoria dos Direitos Humanos, com preposições simples, universais e dogmáticas, que fazia apelo às leis da razão, claras e indiscutíveis, que se justificavam a si próprias, e que levavam a pôr de parte tradições e costumes sociais de séculos, para remodelar a sociedade de acordo com um plano inteligível e racionalmente justificado. Ora, para Burke, este racionalismo militante estava totalmente fora de lugar na actividade política; a sociedade humana era demasiadamente complexa para ser susceptível de uma compreensão racional simplista, e muito menos de uma alteração completa, ou mesmo de uma interferência contínua.
Para Burke, a sociedade humana desenvolve-se não tanto por intermédio da actividade racional do homem, mas sobretudo por meio de sentimentos, hábitos, emoções, convenções e tradições, sem as quais ela desaparece, coisas que o olhar racional é incapaz de vislumbrar. Um racionalismo impaciente e agressivo, virando-se para a ordem social só pode ser subversivo, atacando tanto as más como as boas instituições. Burke defende assim a ideia da limitação da Razão em face da complexidade das coisas, propondo que, perante a fragilidade da razão humana, a humanidade deve proceder com respeito para com a obra dos seus antecessores, só assim conseguindo trabalhar em conjunto em prol do desenvolvimento social. Mas a ideia de que a «Luz» apareceu de repente, após séculos de «Escuridão», é para Burke de um egoísmo suicida. Mas o mais importante, é que de facto é um tipo de racionalismo incompleto, já que a vida desorganizada da sociedade, com o seu padrão de comportamento incompreensível, não só deve ser considerado como a parte mais importante da existência de uma sociedade, como também é, à sua maneira, racional. Assim, para Burke, numa posição que está hoje muito na ordem do dia, com os estudos de António Damásio, os instintos e sentimentos humanos podem levar o homem a actuar correctamente, quando a razão o engana ou abandona. Do ponto de vista da sociedade, as tradições, tendo-se desenvolvido paulatinamente, sendo permanentemente testadas e amplamente divulgadas, são um tipo de bom senso que está acessível a toda a gente, e que pode servir a sociedade melhor do que uma elaborada intelectualização, sendo que os sentimentos são o acompanhamento emocional necessário a uma opinião sólida e amadurecida. Burke chama-lhes, provocatoriamente, preconceitos.
Não quer dizer isto que a continuidade histórica de uma determinada comunidade não imponha mudanças, mas estas mudanças, necessárias, não devem ser resolvidas com base em experiências e invenções, mas sim de acordo com princípios inerentes à própria sociedade. Ora, o que é impossível é regenerar por imposição de uma doutrina utópica, que se torna fanática na aplicação da sua teoria, não olhando a meios para conseguir os seus objectivos. É que uma teoria assim aplicada, cria um imenso fosso entre um que «é» de facto e o que «devia» ser. Não contente com o progresso empírico, acaba por exigir uma felicidade totalmente nova.
Para Burke a Liberdade, o grande ideal revolucionário, é um bem. Mas a justiça, a ordem e a paz, também o são, e são indispensáveis à existência prática da liberdade. Assim, o objectivo não deve ser um fim perfeito e final de uma sociedade, mas o que for mais praticável.
Burke deu origem ao Conservadorismo moderno, que não é um conservadorismo do medo, do pessimismo, do pecado original, mas uma filosofia política que tem uma visão positiva da função do estado e dos objectivos últimos da sociedade humana; afirmando que se baseava, de uma maneira que fará escola nos constitucionalistas românticos, e de acordo com o Espírito das Leis de Montesquieu, na descrição fiel dos princípios tradicionais da vida política britânica.
Retirado d'O Portal da História.
1 Comments:
O "sinto, logo existo", muito bem conjugado com a verdade de que a igualdade é inconciliável com a liberdade e outros valores de 1789. O transcendental como complementar da razão.
Não só o conteúdo, mas também a forma estão muito bem tratados neste blogue. Original, é a palavra que melhor o descreve. Já é um dos favoritos. Parabéns!
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