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segunda-feira, julho 03, 2006

As árvores


Terminei a crónica do mês passado referindo-me a uma OPA. E começo a crónica deste mês com a mesma referência. É que as OPA’s, sabem, estão muito na moda. No momento em que escrevo, só se fala delas e ainda ontem, na TV, um senhor que devia ser importante dizia, com um sorriso de crocodilo de alta finança, que as OPA’s são uma coisa boa.

Uma boa coisa para ele, evidentemente. Na brutal realidade da vida, uma OPA tende a significar: Obscenidade Perigosa e Aviltante. Obscenidade, porque, feitas todas as contas, ela reduz-se a um jogo de poder que faz da economia um monstro que se serve da sociedade, em vez de a servir, o que é, no mínimo, indecente; jogos desses nem se admitem num poder eleito, quanto mais num poder anónimo feito de cotações de bolsa. Perigosa, porque termina sempre com o pesado encargo social de consideráveis despedimentos e, portanto, com o aumento do desemprego. Aviltante, porque mantém um número indeterminado mas elevado de cidadãos na permanente angústia de perder o seu posto de trabalho sem outra razão que não seja, justamente, os simples jogos de poder anónimo e a procura de lucros que talvez sejam legais, porém nunca foram legítimos.

As OPA’s são apenas uma das facetas da economia ultraliberal que está a corroer o mundo contemporâneo e a transformar a democracia política numa farsa – para quê votar, se quem manda, na realidade, é esta gente que não conhecemos, que faz e desfaz grupos empresariais e que manda para a rua, por um capricho, para comprar um carro novo, um avião novo, uma amante nova, milhares de pessoas?

Há escassas semanas, foi noticiado o meganegócio do ano, a fusão da AT&T, o mamute americano das comunicações, com a Bell. Resultado prático anunciado, 10 mil despedimentos. Já em 1996, a mesmíssima AT&T fora objecto de notícia, como nos recorda a jornalista francesa Viviane Forrester em Uma Estranha Ditadura: depois de ter anunciado 40 mil (!) despedimentos, a Imprensa publicou o total da remuneração do presidente da companhia: 16,2 milhões de dólares.

Neste ponto, eu peço aos meus queridíssimos contemporâneos que, durante um fugaz minuto, desviem o olhar dos Morangos com Açúcar ou de obras-primas similares e também ponham de lado, momentaneamente, os estremecimentos futebolísticos para responderem a esta simples pergunta: durante quanto tempo se poderá manter uma economia deste género sem dar um estoiro sangrento?

Cedo à tentação de contar-vos uma breve história. Um dia, em que entrevistei a infanta D. Maria Adelaide, tia do actual duque de Bragança, que nunca teve papas na língua, contou-me como, pouco depois de se instalar em Portugal, a seguir à II Grande Guerra, soltou este desabafo em voz alta, referindo-se às condições sociais do país: “Mas isto vai acabar com muita gente enforcada nas árvores!”. Cito de memória, não estou certo dos termos exactos, porém estou certo, sim, sobre o sentido: “aquilo” ia acabar mal. Pois bem, essa alusão ao perigo de uma revolução violenta vem-me agora à memória, aplicado aos dias de hoje, cada vez que penso nesta nossa realidade quotidiana, não nacional (os opistas nacionais fazem figura de pacóvios, ao lado dos grandes tubarões), mas mundial. Uma economia deste tipo não é sustentável e não é sustentada, ponto final.

Acresce que ela, a economia, já se despegou da própria realidade. Uma empresa não vale pela qualidade daquilo que se produz, seja bens, seja serviços; vale pela cotação na bolsa, que deixou de estar associada à realidade material dos bens ou dos serviços; é tudo, uma vez mais, questão de jogos. E de cada vez que se faz um destes jogos, o resultado infalível é – mais despedimentos. Ora, não sei durante quanto tempo a cretinização e o adormecimento provocados pela TV (que está lá para isso), o futebol (idem) e outras drogas poderão funcionar como elemento dissuasor de violências. Cedo ou tarde, as árvores dos enforcados desenhar-se-ão no horizonte.

Não se pense que dei em revolucionário furioso. Não tenho qualquer satisfação ao escrever isto. Apesar de estarem longe de serem ternos os sentimentos que tenho pelos opistas e seus semelhantes, continuo a pensar que o ódio é um péssimo conselheiro – e quanto a pendurar pessoas (estamos a navegar em metáforas, claro; os métodos poderão ser outros), a solução é para mim moralmente inaceitável e é, também, inadequada, porque, em regra, acaba-se por pendurar as pessoas erradas. Estas razões bastam, embora ainda haja outras, para que eu deseje ardentemente poder vir a verificar que me tinha enganado.

Mas isso, sinto-o e sei-o, só acontecerá se e quando a situação mudar; se e quando a economia mudar; se e quando as políticas mudarem. De momento, o que vejo é o acumular dos ódios – a França, neste aspecto, está a ser um exemplo muito eloquente. Não pensemos, no entanto, que a França detém o exclusivo. É só uma questão de tempo – e de mais OPA’s, de mais fusões, de mais deslocalizações, de mais... como direi? De mais economia desta.

De qualquer modo, quando começarem a fazer deslocalizações da China para fora, então, falaremos...

João Aguiar

Retirado da Super Interessante, Maio de 2006