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sexta-feira, setembro 22, 2006

A importância da palavra

A questão talvez já nem seja uma informação excessiva, reduzida a um grosseiro ruído de fundo, onde a verdade objectiva é acabrunhada pelas verdades subjectivas e particulares, leves como a espuma, inconsistentes como o vento e, muitas vezes, inconfessáveis como os grandes pecados. A questão talvez seja sobretudo a deformação deficiente dos utilizadores e manipuladores da palavra.

Uma sociedade que só reage a slogans é uma sociedade rendida à manipulação, que desprezou a cultura, o conhecimento e as referências históricas, como os únicos elementos de ligação que permitem formar critérios e opiniões a partir da informação.

São muitos os que se interrogam se a televisão digital, os computadores, a Internet, o correio electrónico e as páginas Web significam um efectivo contributo para tornar os cidadãos deste final de século mais cultos, mais informados, mais poderosos, mais felizes e com mais oportunidades, ou se uma contabilidade tardia e terrível os revelará como autistas, sem capacidade crítica, manipuláveis e submetidos à ditadura do pensamento único.

O problema é a morte lenta da palavra. O problema não é áudio, vídeo ou digital.

É dentro das palavras que permanecem as coisas. No princípio era o verbo. A eternidade pode bem ser "um inaudível estrondo de palavras". Como a continuidade humana se manifesta no interminável rumor das palavras.

O que nos levou então a endeusar o provérbio oriental de que "uma imagem vale mil palavras"?

Nós, que ao longo dos tempos sentimos, crescemos, aprendemos, ensinamos, partilhamos, descobrimos e fomos nas palavras e com as palavras? Todo o animal vê, só nós falamos. Esse foi o dom, o Big Bang!

O mais extraordinário é que a palavra vive hoje subordinada à imagem. Tornou-se breve, seca, descarnada, subliminar. Já não se fala para se ser entendido, fala-se para se ver visto.

Criámos uma cultura bárbara, incipiente, onde só ressalta a espuma das coisas. Uma regressão que a grande escritora de ficção científica Ursula Le Guinn imaginou há muito no "nome das coisas", um estádio humano onde para se conhecer a verdade era preciso dizer a palavra certa e exacta.

E a verdade tornou-se um privilégio de muito poucos.

O trabalho jornalístico passou à condição de "diz que disse" e o cidadão sabe mais sobre o efémero e o irrelevante do que sobre o que, sendo essencial, o defende e ameaça.

Bed Bradlee, professor de Jornalismo que foi director do Washington Post, dizia: "Por detrás de uma informação deficiente existe sempre uma formação deficiente."

A morte da palavra transporta consigo a morte de muitas coisas essenciais: o pensamento, a inteligência, a verdade. O fim das ideologias - também estupidamente erigido como um desiderato - conduzirá a um pensamento único e bacoco. A impunidade intelectual será não só tolerada como justificável.

Nas democracias, onde a palavra foi dada a uns por se supor que poderiam falar em nome de todos e, paralelamente, se criou um quarto poder em nome de direitos, liberdades e garantias fundamentais, assiste-se a um distanciamento cada vez maior entre os que julgam saber e os que não querem ouvir. Os primeiros já só falam entre si. Os segundo afastam-se cada vez mais. A abstenção, em todas as suas formas, aumentará. O poder de decidir desaparecerá. O direito à informação será, cada vez mais, uma figura de retórica. Sobre uns cairá o descrédito. Sobre outros a anestesia manipuladora da confusão.

Quem ganhará com isto?

Salvar a palavra pode muito bem ser, nos tempos que correm, a melhor forma de preservar a liberdade.

Maria José Nogueira Pinto

Retirado do Diário de Notícias, 22 de Setembro de 2006.