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sábado, julho 01, 2006

Duas datas: 28 de Maio 26; 18 de Julho 36


Este ano cumprem-se, respectivamente, 80 e 70 anos sobre a Revolução do 28 de Maio de 1926 e o início da Guerra de Espanha em 18 de Julho de 1936. São dois acontecimentos determinantes na história da Península Ibérica do século XX e que, como quase toda esta história, estão contados e interpretados peia vulgata dominante e politicamente correcta.

Em tal versão, o 28 de Maio foi uma conspiração de generais reaccionários e protofascistas, apoiados por uma Igreja ressentida e ultramontana, pelos nostálgicos da Restauração monárquica e por uma burguesia assustada com a revolução russa e a militância operária; esta «santa aliança» fez o 28 de Maio, que estrangulou a jovem democracia doméstica e abriu o caminho para a ditadura e o governo pessoal de Salazar. Quanto ao 18 de Julho de 1936, foi outro golpe de generais reaccionários, apoiado por aristocratas, latifundiários, banqueiros e fascistas assustados pelas conquistas sociais da Frente Popular. Franco, ajudado por Hitler, Mussolini e Salazar, ganhou uma cruenta guerra civil, reprimiu brutalmente a dissidência e instalou uma ditadura até à sua morte em 1975.

Ou seja, as direitas armadas e autoritárias destruíram o regime liberal para defender os seus privilégios. As esquerdas — simbolizadas pelos políticos da 1ª República portuguesa e da 2ª República espanhola e respectivas massas apoiantes — seriam aquelas figuras de liberais, democratas e socialistas idealistas, amantes das regras parlamentares e dos direitos do homem, veneráveis varões de chapéu de coco, pêra e bigode à Afonso Costa, barbas patriarcais à Bernardino Machado, barriga à Indalécio Prieto, fato escuro à Azaña, seguidas pelo simpatiquíssimo povo de Lisboa a Madrid!

A realidade foi bem diferente: a 1ª República portuguesa, como está bem demonstrado nos livros de Jesus Pabón e Vasco Pulido Valente e nos escritos e memórias dos políticos da época, foi um regime de monopólio do poder pelos «democratas» — os líderes do PRP, Partido Democrático — utilizando instrumentos de poder popular e terror de rua, contra os seus inimigos, sobretudo da direita (mas também da esquerda), com prisões arbitrárias, saques de jornais e sedes de partidos de oposição, eleições fraudulentas; e recurso a formas superiores de luta, do assassinato político de adversários, ao pronunciamento militar. O regime começara com um regicídio, pelos carbonários «suicidas», «Buiça» e Costa, e na proclamação da República logo os «democratas» assaltaram conventos e assassinaram religiosos. E viveu em constante violência nas ruas, no Parlamento e na instabilidade crónica. O 28 de Maio foi uma vastíssima «coligação mestiça» de republicanos conservadores, monárquicos e nacionalistas revolucionários com um núcleo de jovens oficiais, apoiado e aceite por todos os sectores sociais. As tropas de Gomes da Costa chegaram a Lisboa (Sacavém) de comboio, sem sabotagens, nem resistência.

E em Espanha, a violência armada foi iniciada pelas esquerdas com a revolta das Astúrias de Outubro de 1934, contra um governo de centro-direita, a CEDA de Gil Robles, escolhido em eleições livres. A revolta foi brutal e a repressão também. A partir daí as «duas Espanhas», até então moderadas — a católica, conservadora, unitária, monárquica e a laica, progressista, federalista, republicana — entraram em bipolarização e radicalização. Em Fevereiro de 1936, a seguir à vitória da Frente Popular, as esquerdas revolucionárias — a ala radical do PSOE (Largo Caballero), mais os anarco-sindicalistas e os comunistas — iniciaram, por toda a Espanha, à revelia do governo de Manuel Azaña, mas sem que este nada fizesse para os parar, uma campanha sistemática de queima de igrejas, assassinato de políticos da direita e ocupação de terras. Este movimento causou centenas de mortos, perante a indiferença das autoridades, e levou à radicalização da área da direita, onde a Falange, minoritário partido fascista espanhol, fundado por José António Primo de Rivera, ao responder à violência com a violência, ganhou espaço e seguidores. Quando um grupo de polícias e guardas de assalto esquerdistas sequestrou e assassinou o líder da direita parlamentar, Calvo Sotelo, caiu a gota definitiva que disparou o movimento militar, organizado pelo general Mola, e apoiado pelos monárquicos, carlistas e falangistas, para a revolta. As esquerdas escolheram a via do ferro e da violência. As direitas tiveram que optar pela mesma moeda. E na violência, Franco e os profissionais do Exército de Marrocos, foram mais fortes.

Qual a importância presente destas coisas e memórias históricas? Muita. A esquerda p. c. (politicamente correcta) e já agora a direita «soft» (…) costumam relembrar as ditaduras peninsulares como se elas não tivessem tido uma origem, fossem fruto do reaccionarismo, maldade e obscurantismo das direitas «más» e assassinas das «liberdades» quando estas não lhes convêm…

Em Portugal, os esforços de criação de uma alternativa de direita estão também hipotecados ao facto de os valores nacionais e conservadores, por terem sido defendidos em regime autoritário, serem excluídos (por intimação da esquerda e terror-tremor da direita branda colonizada pela «direita da esquerda») da agenda política. Tudo resultando neste confrangedor pensamento único de humanitarismo liberal euroglobalista e de banalidades simpáticas e profundas sobre a «produtividade», de onde desapareceram considerações de legitimidade dos interesses nacionais, de valores de orientação permanente e quaisquer critérios de realismo antropológico e social. Tudo fica reduzido a critérios de «gestão» e birras entre presentes e «ausentes». Não vão longe.

Jaime Nogueira Pinto

Retirado do Expresso, 10 de Junho de 2006