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domingo, julho 02, 2006

Goa e a Queda do Império


Tive o privilégio de assistir, recentemente, a uma lição de história que, pela sua importância e valor científico futuro, segundo o âmbito em que está inserida, interessa; não só a todos os portugueses, como também aqueles que fazem da lusa língua a sua vontade falada. A Liga dos Combatentes, entidade promotora da iniciativa, chama-lhe, “Revisitar Goa Damão e Diu”, integrada no “Ciclo de Conferências da Cooperativa Militar”. Eu chamo-lhe, “Goa e a Queda do Império”, embora não considere inteiramente adequado este termo e apesar da sua queda ter começado mais cedo.

Nunca é tarde para (re)escrever a história dos povos, embora tardiamente o possa ser para todos aqueles a quem o conhecimento dos factos não chegue em vida deste mundo; que do outro, mesmo com muita fé, difícil será não só perceber a história, como também relembrar a memória.

Não revisitei Goa Damão e Diu, tal como a Liga chamou ao evento; nunca estive na Índia, nem antes nem depois da ocupação desse pedaço de Portugal, por parte da União Indiana. Mas visitei Goa, através das palavras saudosas de alguns Goeses oradores e de alguns militares que fazem parte da sua história; principalmente, dos dias que antecederam a queda e dos dias depois de caída. No chão, abandonada pelo governo do País que mandou Dom Vasco da Gama descobrir-lhe o caminho marítimo, mais de quinhentos anos antes, império no auge, nascido em mil quatrocentos e quinze com a conquista de Ceuta.

Goa não foi perdida pelos militares – esses fracos que facilmente se renderam ao invasor. Goa não caiu em mil novecentos e sessenta e um, tal como consta nos manuais e compêndios, maioritariamente conhecidos. Goa caiu asfixiada pela vontade de um presidente do conselho que, a partir de mil novecentos e cinquenta e quatro, lhe começou a retirar qualquer hipótese de resistência, fazendo regressar – ou desviar para outras posições – homens e armas de Portugal; ordenando ao seu governador que fosse massacrado, que morresse pela pátria, que resistisse e ordenasse aos seus homens, uma resistência até à morte. Era esta a ordem do presidente do conselho: “Morra senhor general”.

Mas o que pode, em terras do oriente longínquo, um general sem armas, um comandante sem tropas, um governador sem meios? Nada, e nada é muito pouco! Vassalo e Silva, rendeu-se num acto pessoal, assumido, corajoso, certamente pensando nos seus homens, os poucos que lhe restavam, ainda, de um efectivo já maioritariamente goês, já ausente de presença e empenho português.

“Manto negro de informação”, foi o que chamou à queda de Goa, um dos oradores que fez uso da palavra; para contar a sua história, para relembrar a sua memória.

Mas há, também, para além da necessidade de reposição de verdade histórica sobre razões e culpados, uma questão de natureza jurídica; de jure, de direito internacional até. Goa, Damão e Diu, eram terra de Portugal sob administração portuguesa – ocupada pela União Indiana. Sem lhes ter sido perguntado, (ou oferecida) a hipótese de autonomia, de independência. Tal como viria a acontecer – tardiamente – com as restantes colónias. Mais de quarenta anos depois, há, ainda, goeses que clamam por justiça, por direito, por liberdade, por história, por identidade.

Infelizmente, a revolução de Abril chegou depois, tendo a União Indiana chegou antes. A Lusofonia perdeu, assim, a oportunidade de falar a mesma língua numa terra culturalmente miscigenada, por iniciativa de Afonso de Albuquerque com ajuda dos próprios goeses.

Não é a mesma situação de Timor, mas é quase. A União Indiana não utilizou os mesmos argumentos de ocupação, mas usou outros. Em comum, os dois invasores usaram poder de fogo; em comum, perdeu-se terra de Portugal. Recuperada, num dos casos, em favor de um novo país. Definitivamente perdida – pelo menos aparentemente – no outro, em favor de outro novo país, quase acabado de nascer. Um quase paradoxo, digo eu, pelo que ouvi!

Mas a história há-de dizê-lo de outro modo; a frio e com verdade científica. A história é lenta a julgar; mas é justa nas sentenças.

António J. Branco

Retirado do Mundos.