Maioria absoluta e “Estado laico”
A agenda dos criptocomunistas do PS (leia-se ex-comunistas, liderados por Vital Moreira, e dos sampaístas) é igual à agenda de Paulo Portas. Ambos querem retirar a maioria absoluta a este Partido Socialista de José Sócrates. E, para isso, ambos parecem estar de acordo: a questão religiosa pode ser uma oportunidade.
Desde os crucifixos nas escolas, à questão do Protocolo de Estado, tudo são passos claros para "ofender" as tradições centenárias de Portugal, em nome de um laicismo anti-religioso que, em vez de permitir a liberdade de culto, afasta a religião e a sua moral do seio da comunidade nacional.
O passo seguinte, está bem de ver, será a comemoração jacobina dos 100 anos da República, cuja comissão, presidida por Vital Moreira, obviamente, vai aproveitar a oportunidade para atacar a Igreja Católica e o seu papel cultural e social, em Portugal.
A ideologia dominante
Não é altura de reescrevermos a História. Muito menos quando nada a justifica. Mas, já Malheiro Dias, na Primeira República (1922), dizia que, seguramente, foram muito mais traumáticas para a Europa as mortes e as guerras entre protestantes e católicos, que as perseguições da Inquisição aos Judeus.
Estávamos numa altura de afirmação do Estado, de criação do Estado Moderno, e, obviamente, a guerra e perseguição religiosas eram instrumentos eficazes para a tomada do Poder e para a consolidação da nova elite, exactamente, como os comunistas infiltrados no PS - sob a capa de esquerda socialista - estão, agora, a tentar fazer.
Sejamos claros: não temos números, mas sabemos que a firmação do poder dos Reis Católicos levou à entrada de cerca de 200 mil judeus em Portugal e que, à data da expulsão, não saíram mais de 10 mil criaturas, sendo o Antigo Regime tolerante para os cristão novos.
É que a afirmação da nossa identidade só poderia ser feita contra o "outro", como na Europa Central e no Sacro-Império. Só que o nosso "outro" não era o protestante ou o luterano, mas o judeu, o "de la Mancha", como o Quixote.
Ao todo, mesmo na nossa barroca Contra-Reforma, a Inquisição foi apenas a polícia política daquele Estado totalitário, como, hoje, é a criminalização das dívidas ao Fisco ou à Segurança Social, curiosamente duas áreas na Administração Pública e na Magistratura, onde a gestão política é evidente e todos temos prova disso (nunca é demais lembrar a perseguição ao SEMANÁRIO!).
Nada justifica a perseguição a judeus e mouros, mas não podemos cair na armadilha ideológica franco-inglesa, que nos reduziu à sombria história da Inquisição, instrumento que, apenas, serviu para esquecer os abusos da Guerra dos Trinta Anos.
Então por que falhamos?
Apenas pelas mesmas razões de hoje: porque o País é pequeno, invejoso, cruel e existem elites que só sabem destruir, que nunca conseguiram construir nada. E essas elites vivem do Poder e são a força mais retrógrada e conservadora. Não são sequer os comunistas do PCP mais ortodoxo. Não! São aqueles que falharam, que quiseram o poder a qualquer preço - até à custa da negação do seu partido original, e são esses, exactamente, esses que, hoje, estão apostados em atacar a base eleitoral de apoio deste Governo reformista do PS.
O Congresso de Outubro
Os socialistas vão para um Congresso em Outubro e, portanto, é normal a agitação a que assistimos. Mas, o que não é normal é a agenda inventada, nos costumes e nas práticas, na interpretação da História e do lugar da Igreja nela.
Eram problemas resolvidos, mas que são, subitamente, desenterrados, curiosamente, não pelo PS de José Sócrates, nem sequer pelo Aparelho guterrista, mas pelos sampaístas, por Alberto Martins, o primeiro dos sampaístas e líder da bancada parlamentar do PS, por Vera Jardim, o advogado do Pina Moura, por Vital Moreira, o homem que, desde Coimbra, telecomanda, há trinta anos, o Ministério da Educação, o antigo líder parlamentar do Partido Comunista de Álvaro Cunhal.
Esta gente está no fim e sente a sua influência em perda. Chega aos sessenta anos, depois de trinta anos nas franjas do poder, e sente que, com esta maioria absoluta, pode perder a influência que ainda têm, através dos poucos lugares, no Governo ou no grupo parlamentar, que conseguiram, no equilíbrio de forças no último Congresso do PS.
Já não têm Jorge Sampaio em Belém, mas querem continuar a controlar o poder e, por isso, querem forçar Sócrates à aliança com o PCP...
Eles perceberam que só há uma maneira de continuarem a ter o poder, depois de José Sócrates neutralizar o partido - aliás, como Cavaco Silva, também fez nos seus dez anos de Governo (é a única maneira, sob pena de se criarem tensões indesejáveis, como estava a acontecer antes do ex-ministro Jorge Coelho deixar a coordenação do PS). É tirarem a "maioria absoluta" ao PS.
E, por isso, nem sequer vão esperar pelo facto da retoma tardar, em Portugal, ou pela contestação social ao reformismo do primeiro-ministro. Não!, pelo contrário, decidiram antecipar-se. Como? Criando uma fractura artificial na sociedade portuguesa, de modo a irritar a Igreja Católica e, desta maneira, ter a certeza que ela se vira contra o primeiro-ministro e o Governo socialista. É básico em Portugal: com a Igreja contra, o PS perderá a maioria absoluta nas próximas eleições.
E, se isso acontecer, mesmo antes das próximas legislativas, tanto melhor: mais depressa a alternativa será um Governo PS-PCP, intermediado por eles, onde, finalmente, sonhariam em manter a antiga lei das rendas congeladas, a ditadura dos magistrados, o País a pagar para uma minoria de funcionários públicos com regalias e salários superiores aos trabalhadores do sector privado, com finanças públicas insustentáveis, com empresários perseguidos e as elites dominadas. Em suma, com a agenda da Nova Inquisição.
Por que Portas vai voltar ao CDS
Ora, a Direita também está de acordo em tirar a maioria absoluta a José Sócrates, exactamente porque pensa, ao contrário dos comunistas infiltrados no PS, que Sócrates jamais fará uma aliança com os comunistas, como fez Prodi em Itália, mesmo, para a teoria dos cestos e dos ovos, estando agora em Belém um Presidente da República oriundo do espaço do centro-direita. E, é, exactamente, por isso, que Paulo Portas nem sequer critica a agenda religiosa dos laicistas, a perseguição à hierarquia católica. Exactamente, porque acredita que, em vez dos comunistas, na próxima legislatura, Sócrates preferirá sempre uma coligação com um partido mais barato e pequeno, como o CDS - para o qual ele, necessariamente, voltará como líder - em vez de avançar para o Bloco Central parlamentar - como sonham alguns social-democratas e os cavaquistas - ou uma solução, penosa para o investimento, de Frente Popular.
A tradição religiosa americana
Gosto muito mais da tradição religiosa americana e da liberdade religiosa inglesa, que do laicismo europeu e do anticlericalismo continental. Na América, um certo puritanismo acaba por conformar a ideologia dominante e por criar uma grelha moral que justifica o capitalismo e o optimismo. Pelo contrário, a ideologia anti-religiosa, jacobina, dos Estados laicistas e contra a religião, acaba por empurrar a Europa para um beco sem saída, para o pessimismo, o laxismo social, a indiferença psicológica, mas também a estagnação económica e o aumento da pobreza.
Hoje, quando a História se reescreve com o aprendido da Psicologia e da Sociologia, começamos a entender o papel pernicioso do laicismo no fracasso do modelo europeu, afinal aquele que tinha tudo para triunfar e tudo para se impor no mundo. Mas não. Como no nosso Estado Leviatã (XVII e XVIII), o Estado Europeu Moderno sofre desse vírus: o vírus de um clã pessimista, ateu, anti-religioso, basicamente marxista, que quer o poder pelo poder.
Os sinais estão dados, a Igreja tem sido paciente. José Sócrates sabe que se os púlpitos de norte a sul do País se virarem contra ele, pode não só perder a maioria absoluta como ainda perder a própria maioria relativa. Vai, por isso, fazer o que mandam os livros. Vai naturalmente tentar conservar o poder. O curioso vai ser ver como instinto político do primeiro-ministro vai ou não ser capaz de mandar definitivamente para a reforma essa gente, frustrando, deste modo, também, os jogos subterrâneos que se advinham nos partidos da oposição.
Para já, o primeiro-ministro José Sócrates tem tudo na mão: conseguirá, pragmaticamente, continuar a manter a sua maioria absoluta? A resposta começará a ser dada já no próximo congresso do PS.
Rui Teixeira Santos
Retirado do Semanário, 30 de Junho de 2006
Desde os crucifixos nas escolas, à questão do Protocolo de Estado, tudo são passos claros para "ofender" as tradições centenárias de Portugal, em nome de um laicismo anti-religioso que, em vez de permitir a liberdade de culto, afasta a religião e a sua moral do seio da comunidade nacional.
O passo seguinte, está bem de ver, será a comemoração jacobina dos 100 anos da República, cuja comissão, presidida por Vital Moreira, obviamente, vai aproveitar a oportunidade para atacar a Igreja Católica e o seu papel cultural e social, em Portugal.
A ideologia dominante
Não é altura de reescrevermos a História. Muito menos quando nada a justifica. Mas, já Malheiro Dias, na Primeira República (1922), dizia que, seguramente, foram muito mais traumáticas para a Europa as mortes e as guerras entre protestantes e católicos, que as perseguições da Inquisição aos Judeus.
Estávamos numa altura de afirmação do Estado, de criação do Estado Moderno, e, obviamente, a guerra e perseguição religiosas eram instrumentos eficazes para a tomada do Poder e para a consolidação da nova elite, exactamente, como os comunistas infiltrados no PS - sob a capa de esquerda socialista - estão, agora, a tentar fazer.
Sejamos claros: não temos números, mas sabemos que a firmação do poder dos Reis Católicos levou à entrada de cerca de 200 mil judeus em Portugal e que, à data da expulsão, não saíram mais de 10 mil criaturas, sendo o Antigo Regime tolerante para os cristão novos.
É que a afirmação da nossa identidade só poderia ser feita contra o "outro", como na Europa Central e no Sacro-Império. Só que o nosso "outro" não era o protestante ou o luterano, mas o judeu, o "de la Mancha", como o Quixote.
Ao todo, mesmo na nossa barroca Contra-Reforma, a Inquisição foi apenas a polícia política daquele Estado totalitário, como, hoje, é a criminalização das dívidas ao Fisco ou à Segurança Social, curiosamente duas áreas na Administração Pública e na Magistratura, onde a gestão política é evidente e todos temos prova disso (nunca é demais lembrar a perseguição ao SEMANÁRIO!).
Nada justifica a perseguição a judeus e mouros, mas não podemos cair na armadilha ideológica franco-inglesa, que nos reduziu à sombria história da Inquisição, instrumento que, apenas, serviu para esquecer os abusos da Guerra dos Trinta Anos.
Então por que falhamos?
Apenas pelas mesmas razões de hoje: porque o País é pequeno, invejoso, cruel e existem elites que só sabem destruir, que nunca conseguiram construir nada. E essas elites vivem do Poder e são a força mais retrógrada e conservadora. Não são sequer os comunistas do PCP mais ortodoxo. Não! São aqueles que falharam, que quiseram o poder a qualquer preço - até à custa da negação do seu partido original, e são esses, exactamente, esses que, hoje, estão apostados em atacar a base eleitoral de apoio deste Governo reformista do PS.
O Congresso de Outubro
Os socialistas vão para um Congresso em Outubro e, portanto, é normal a agitação a que assistimos. Mas, o que não é normal é a agenda inventada, nos costumes e nas práticas, na interpretação da História e do lugar da Igreja nela.
Eram problemas resolvidos, mas que são, subitamente, desenterrados, curiosamente, não pelo PS de José Sócrates, nem sequer pelo Aparelho guterrista, mas pelos sampaístas, por Alberto Martins, o primeiro dos sampaístas e líder da bancada parlamentar do PS, por Vera Jardim, o advogado do Pina Moura, por Vital Moreira, o homem que, desde Coimbra, telecomanda, há trinta anos, o Ministério da Educação, o antigo líder parlamentar do Partido Comunista de Álvaro Cunhal.
Esta gente está no fim e sente a sua influência em perda. Chega aos sessenta anos, depois de trinta anos nas franjas do poder, e sente que, com esta maioria absoluta, pode perder a influência que ainda têm, através dos poucos lugares, no Governo ou no grupo parlamentar, que conseguiram, no equilíbrio de forças no último Congresso do PS.
Já não têm Jorge Sampaio em Belém, mas querem continuar a controlar o poder e, por isso, querem forçar Sócrates à aliança com o PCP...
Eles perceberam que só há uma maneira de continuarem a ter o poder, depois de José Sócrates neutralizar o partido - aliás, como Cavaco Silva, também fez nos seus dez anos de Governo (é a única maneira, sob pena de se criarem tensões indesejáveis, como estava a acontecer antes do ex-ministro Jorge Coelho deixar a coordenação do PS). É tirarem a "maioria absoluta" ao PS.
E, por isso, nem sequer vão esperar pelo facto da retoma tardar, em Portugal, ou pela contestação social ao reformismo do primeiro-ministro. Não!, pelo contrário, decidiram antecipar-se. Como? Criando uma fractura artificial na sociedade portuguesa, de modo a irritar a Igreja Católica e, desta maneira, ter a certeza que ela se vira contra o primeiro-ministro e o Governo socialista. É básico em Portugal: com a Igreja contra, o PS perderá a maioria absoluta nas próximas eleições.
E, se isso acontecer, mesmo antes das próximas legislativas, tanto melhor: mais depressa a alternativa será um Governo PS-PCP, intermediado por eles, onde, finalmente, sonhariam em manter a antiga lei das rendas congeladas, a ditadura dos magistrados, o País a pagar para uma minoria de funcionários públicos com regalias e salários superiores aos trabalhadores do sector privado, com finanças públicas insustentáveis, com empresários perseguidos e as elites dominadas. Em suma, com a agenda da Nova Inquisição.
Por que Portas vai voltar ao CDS
Ora, a Direita também está de acordo em tirar a maioria absoluta a José Sócrates, exactamente porque pensa, ao contrário dos comunistas infiltrados no PS, que Sócrates jamais fará uma aliança com os comunistas, como fez Prodi em Itália, mesmo, para a teoria dos cestos e dos ovos, estando agora em Belém um Presidente da República oriundo do espaço do centro-direita. E, é, exactamente, por isso, que Paulo Portas nem sequer critica a agenda religiosa dos laicistas, a perseguição à hierarquia católica. Exactamente, porque acredita que, em vez dos comunistas, na próxima legislatura, Sócrates preferirá sempre uma coligação com um partido mais barato e pequeno, como o CDS - para o qual ele, necessariamente, voltará como líder - em vez de avançar para o Bloco Central parlamentar - como sonham alguns social-democratas e os cavaquistas - ou uma solução, penosa para o investimento, de Frente Popular.
A tradição religiosa americana
Gosto muito mais da tradição religiosa americana e da liberdade religiosa inglesa, que do laicismo europeu e do anticlericalismo continental. Na América, um certo puritanismo acaba por conformar a ideologia dominante e por criar uma grelha moral que justifica o capitalismo e o optimismo. Pelo contrário, a ideologia anti-religiosa, jacobina, dos Estados laicistas e contra a religião, acaba por empurrar a Europa para um beco sem saída, para o pessimismo, o laxismo social, a indiferença psicológica, mas também a estagnação económica e o aumento da pobreza.
Hoje, quando a História se reescreve com o aprendido da Psicologia e da Sociologia, começamos a entender o papel pernicioso do laicismo no fracasso do modelo europeu, afinal aquele que tinha tudo para triunfar e tudo para se impor no mundo. Mas não. Como no nosso Estado Leviatã (XVII e XVIII), o Estado Europeu Moderno sofre desse vírus: o vírus de um clã pessimista, ateu, anti-religioso, basicamente marxista, que quer o poder pelo poder.
Os sinais estão dados, a Igreja tem sido paciente. José Sócrates sabe que se os púlpitos de norte a sul do País se virarem contra ele, pode não só perder a maioria absoluta como ainda perder a própria maioria relativa. Vai, por isso, fazer o que mandam os livros. Vai naturalmente tentar conservar o poder. O curioso vai ser ver como instinto político do primeiro-ministro vai ou não ser capaz de mandar definitivamente para a reforma essa gente, frustrando, deste modo, também, os jogos subterrâneos que se advinham nos partidos da oposição.
Para já, o primeiro-ministro José Sócrates tem tudo na mão: conseguirá, pragmaticamente, continuar a manter a sua maioria absoluta? A resposta começará a ser dada já no próximo congresso do PS.
Rui Teixeira Santos
Retirado do Semanário, 30 de Junho de 2006
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