Sócrates, o Mundial e a China
Se Portugal ganhar o Mundial, fica-se com a certeza que José Sócrates tem mesmo uma estrelinha que o ilumina. É bom lembrar que o hoje primeiro-ministro já trouxe o Euro 2004 para Portugal, onde a nossa seleccão foi vice-campeã. Agora, se ganharmos o Mundial, a boa nova socrática em futebol fica totalmente confirmada. E Sócrates torna-se o primeiro chefe de Governo português a ver uma Taça do Mundo de Futebol vir para o país.
Tudo parece cair de mão beijada a este homem. Saiu do desastre do governo Guterres, sem uma beliscadura. Até a tenacidade na luta pela co-incineracão o favoreceu, num quadro de indecisão e indefinicão do executivo Guterres. Ao sair do governo fez-se ministro televisivo na SIC, condicão para ser o que é hoje. Um conjunto de acasos colocou-o no momento certo, à hora certa, no PS e no país. Tudo indicava que Santana Lopes, com a sua perspiscácia política, resistisse ao perfume do poder com a exigência de eleições antecipadas. Em vez disso, Santana aceitou ser um pau-mandado de Sampaio, até governar com uma agenda política e mediática feita contra si no Palácio de Belém. Por outro acaso, Ferro Rodrigues demitiu-se. Se não fosse um emotivo e um homem íntegro (com uma terrível falta de jeito para a política e o contacto com as pessoas), Ferro tinha aguentado. Quatro meses depois, já com Santana fora de S. Bento, teria sido ele o candidato a primeiro-ministro pelo PS, ganhando com facilidade a Santana.
Em circunstâncias calamitosas para o país, apanhando os portugueses a votarem em estado de necessidade, Sócrates obteve a primeira maioria absoluta para o PS, fasquia que nunca Mário Soares conseguiu alcançar. Já no governo, custa por vezes a acreditar que Sócrates trate o país como um dentista que arranca dentes aos seus clientes sem anestesia, e eles calem a dor e por vezes até agradeçam.
Nas últimas eleicões, autárquicas e presidenciais, fez de cada derrota, uma vitória, como se em tudo o que tocasse luzisse. Em Lisboa e no Porto, viu dois homens por quem nunca morreu de amores, tombarem em combates pouco gloriosos, Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis. Nas presidenciais, teve um golpe de asa que até arrepia. Desafiando as leis da natureza, Mário Soares candidatou-se. Para Sócrates foi mais uma oportunidade de ouro. Como se não bastasse, Sócrates ganhou um Cavaco, que é como um pai em quem se podia confiar em Belém.
A vitória de Portugal no Mundial só tem um senão para Sócrates, se o primeiro-ministro for supresticioso ou for dado a algumas sensacões de déja vue. Até ao ano 2000, Guterres parecia que vivia num sonho. Mas o pesadelo chegou logo em 2001, terrível, ultradoloroso. Com Sócrates como será? O sonho também pode transformar-se em pesadelo?
O Oriente tem mel para os socialistas. A pouco e pouco vai ganhando corpo o último vértice do triângulo amoroso de Sócrates na política externa: a seguir à Espanha e aos nórdicos, os chineses. O Oriente parece que tem mel para os socialistas. Há vinte anos, Macau foi o último reduto do PS, local de resistência contra o cavaquismo. Para muito socialista, Macau representou um exílio dourado. Ganharam experiência, fizeram contactos, muitos enriqueceram. Se não fosse o caso Melancia, Macau tinha sido um autêntico paraíso.
Hoje, além de Macau é a China toda que o PS tem debaixo de olho. Na semana passada, José recebeu o presidente do governo da Região Administrativa de Macau, Edmundo Ho, em visita a Portugal. Soube-se que na reunião esteve em cima da mesa uma maior cooperação entre Portugal e Macau, naturalmente sob a batuta de Pequim. Em Dezembro passado, Sócrates esteve com o primeiro-ministro chinês, Wen Jiao Bao, também de passagem por Lisboa. Na altura, parece que o governante chinês elevou Portugal à categoria de parceiro estratégico global da China, uma espécie de cláusula de nacão mais favorecida com que Pequim, cada vez mais com todos os hábitos e vícios de potência mundial, resolveu imitar os processos americanos. Há dois meses, foi o todo-poderoso José Lello, uma espécie de Jorge Coelho de Sócrates, quem fez uma muita curiosa viagem à China. Quando regressou a Lisboa, escreveu um artigo laudatório da China, e abriu caminho à visita oficial de José Sócrates ao país, talvez ainda este ano. Ou seja, restam poucas dúvidas de que Lello foi a Pequim como uma espécie de enviado especial de Sócrates.
O que estes amores do PS pela China demonstram, uma vez mais, é que o PS está completamente rendido à realpolitik e ao liberalismo económico. Sócrates poderá responder que todos os outros estão a ir rapidamente e em força para a China e que nós, ainda por cima com especiais relações históricas com o Oriente, não podemos ficar atrás. Pode ser! Nos tempos que correm esta é a verdade, o que não quer dizer que seja a verdade certa. A China é uma ditadura, onde não há liberdade e o delito de opinião é punido. Não se pode fazer um bloqueio a Cuba, punir o Irão, invadir o Iraque e depois andar com o regime chinês ao colo, que, tratado desta maneira, se sente cada vez mais confiante e fortalecido. No aniversário recente do massacre de Tiannanmen (até o termo massacre saiu das agendas de imprensa mundiais) a China aproveitou para se exibir numa enorme parada militar, como que a avisar que é bom que ninguém queira repetir a aventura estudantil de há quase vinte anos.
É por esta gula pelo negócio, não olhando a direitos nem a princípios, que se vê a decadência ocidental, feita de muito cinismo e hipocrisia. Onde o PS parece que se sente bem. Custou muito ver Jorge Sampaio visitar a China há um ano e não ter uma palavra de homenagem à memória de Li Peng, em prisão domiciliária, falecido durante a visita. E as razões de Estado não podem servir para justificar silêncios que se exigem perante os direitos humanos e o sentido ético da vida. Quando Sócrates for à China, certamente que fará uma visita ainda mais pragmática, "just business", que os chineses vão adorar.
O dinheiro manda hoje em tudo e os direitos que ainda se apregoam, de justiça, igualdade e fraternidade, são cada vez mais disfarces para aliviar as consciências. Da China, a Europa até começa a receber exemplos de limitação de direitos. Esta semana, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, aconselhou Portugal a reduzir a sua carga salarial. O modelo é muito conhecido na China, onde são os baixos salários que aquecem a economia e tornam ultra-milionários alguns chineses que nunca foram tão felizes como na China comunista e capitalista. Bem andaram os chineses anos a fio a reclamarem que o seu comunismo era diferente do de Moscovo.
Quando se vê a China levada ao colo pelo Ocidente, percebe-se que o grande erro da URSS foi não se ter desviado mais do socialismo e abraçado o capitalismo.Tudo parece cair de mão beijada a este homem. Saiu do desastre do governo Guterres, sem uma beliscadura. Até a tenacidade na luta pela co-incineracão o favoreceu, num quadro de indecisão e indefinicão do executivo Guterres. Ao sair do governo fez-se ministro televisivo na SIC, condicão para ser o que é hoje. Um conjunto de acasos colocou-o no momento certo, à hora certa, no PS e no país. Tudo indicava que Santana Lopes, com a sua perspiscácia política, resistisse ao perfume do poder com a exigência de eleições antecipadas. Em vez disso, Santana aceitou ser um pau-mandado de Sampaio, até governar com uma agenda política e mediática feita contra si no Palácio de Belém. Por outro acaso, Ferro Rodrigues demitiu-se. Se não fosse um emotivo e um homem íntegro (com uma terrível falta de jeito para a política e o contacto com as pessoas), Ferro tinha aguentado. Quatro meses depois, já com Santana fora de S. Bento, teria sido ele o candidato a primeiro-ministro pelo PS, ganhando com facilidade a Santana.
Em circunstâncias calamitosas para o país, apanhando os portugueses a votarem em estado de necessidade, Sócrates obteve a primeira maioria absoluta para o PS, fasquia que nunca Mário Soares conseguiu alcançar. Já no governo, custa por vezes a acreditar que Sócrates trate o país como um dentista que arranca dentes aos seus clientes sem anestesia, e eles calem a dor e por vezes até agradeçam.
Nas últimas eleicões, autárquicas e presidenciais, fez de cada derrota, uma vitória, como se em tudo o que tocasse luzisse. Em Lisboa e no Porto, viu dois homens por quem nunca morreu de amores, tombarem em combates pouco gloriosos, Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis. Nas presidenciais, teve um golpe de asa que até arrepia. Desafiando as leis da natureza, Mário Soares candidatou-se. Para Sócrates foi mais uma oportunidade de ouro. Como se não bastasse, Sócrates ganhou um Cavaco, que é como um pai em quem se podia confiar em Belém.
A vitória de Portugal no Mundial só tem um senão para Sócrates, se o primeiro-ministro for supresticioso ou for dado a algumas sensacões de déja vue. Até ao ano 2000, Guterres parecia que vivia num sonho. Mas o pesadelo chegou logo em 2001, terrível, ultradoloroso. Com Sócrates como será? O sonho também pode transformar-se em pesadelo?
O Oriente tem mel para os socialistas. A pouco e pouco vai ganhando corpo o último vértice do triângulo amoroso de Sócrates na política externa: a seguir à Espanha e aos nórdicos, os chineses. O Oriente parece que tem mel para os socialistas. Há vinte anos, Macau foi o último reduto do PS, local de resistência contra o cavaquismo. Para muito socialista, Macau representou um exílio dourado. Ganharam experiência, fizeram contactos, muitos enriqueceram. Se não fosse o caso Melancia, Macau tinha sido um autêntico paraíso.
Hoje, além de Macau é a China toda que o PS tem debaixo de olho. Na semana passada, José recebeu o presidente do governo da Região Administrativa de Macau, Edmundo Ho, em visita a Portugal. Soube-se que na reunião esteve em cima da mesa uma maior cooperação entre Portugal e Macau, naturalmente sob a batuta de Pequim. Em Dezembro passado, Sócrates esteve com o primeiro-ministro chinês, Wen Jiao Bao, também de passagem por Lisboa. Na altura, parece que o governante chinês elevou Portugal à categoria de parceiro estratégico global da China, uma espécie de cláusula de nacão mais favorecida com que Pequim, cada vez mais com todos os hábitos e vícios de potência mundial, resolveu imitar os processos americanos. Há dois meses, foi o todo-poderoso José Lello, uma espécie de Jorge Coelho de Sócrates, quem fez uma muita curiosa viagem à China. Quando regressou a Lisboa, escreveu um artigo laudatório da China, e abriu caminho à visita oficial de José Sócrates ao país, talvez ainda este ano. Ou seja, restam poucas dúvidas de que Lello foi a Pequim como uma espécie de enviado especial de Sócrates.
O que estes amores do PS pela China demonstram, uma vez mais, é que o PS está completamente rendido à realpolitik e ao liberalismo económico. Sócrates poderá responder que todos os outros estão a ir rapidamente e em força para a China e que nós, ainda por cima com especiais relações históricas com o Oriente, não podemos ficar atrás. Pode ser! Nos tempos que correm esta é a verdade, o que não quer dizer que seja a verdade certa. A China é uma ditadura, onde não há liberdade e o delito de opinião é punido. Não se pode fazer um bloqueio a Cuba, punir o Irão, invadir o Iraque e depois andar com o regime chinês ao colo, que, tratado desta maneira, se sente cada vez mais confiante e fortalecido. No aniversário recente do massacre de Tiannanmen (até o termo massacre saiu das agendas de imprensa mundiais) a China aproveitou para se exibir numa enorme parada militar, como que a avisar que é bom que ninguém queira repetir a aventura estudantil de há quase vinte anos.
É por esta gula pelo negócio, não olhando a direitos nem a princípios, que se vê a decadência ocidental, feita de muito cinismo e hipocrisia. Onde o PS parece que se sente bem. Custou muito ver Jorge Sampaio visitar a China há um ano e não ter uma palavra de homenagem à memória de Li Peng, em prisão domiciliária, falecido durante a visita. E as razões de Estado não podem servir para justificar silêncios que se exigem perante os direitos humanos e o sentido ético da vida. Quando Sócrates for à China, certamente que fará uma visita ainda mais pragmática, "just business", que os chineses vão adorar.
O dinheiro manda hoje em tudo e os direitos que ainda se apregoam, de justiça, igualdade e fraternidade, são cada vez mais disfarces para aliviar as consciências. Da China, a Europa até começa a receber exemplos de limitação de direitos. Esta semana, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, aconselhou Portugal a reduzir a sua carga salarial. O modelo é muito conhecido na China, onde são os baixos salários que aquecem a economia e tornam ultra-milionários alguns chineses que nunca foram tão felizes como na China comunista e capitalista. Bem andaram os chineses anos a fio a reclamarem que o seu comunismo era diferente do de Moscovo.
Paulo Gaião
Retirado do Semanário, 30 de Junho 2006
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