Kim Jong-il, o pigmeu que se acha Deus
Bush já lhe chamou ‘pigmeu’, mas Kim Jong-il acha-se um deus na Coreia do Norte, onde a actividade religiosa não estatal é inexistente. Ele até conhece o mundo e fez estudos superiores em Malta, nos anos 70 quando lá governava o neutralista Dom Mintoff, mas age como os reis loucos e déspostas da baixa Idade Média.
Tem o seu reinozinho e coloca-se acima de todos e tudo. Só pensa em impor respeito aos norte-coreanos e ao resto do mundo. Dentro das suas fronteiras, utiliza a opressão – tem mais de 200 mil presos políticos em campos de concentração numa população de 25 milhões de habitantes – e construiu o seu palácio no topo da montanha alta, a Paekyu, a 2750 metros de altitude. Com o resto do mundo faz chantagem, gastando tudo na bomba atómica e nos sete mísseis que lançou a meio desta semana.
Kim Jong-il é uma personagem tão estranha que, tal como a fechada Coreia do Norte, se torna difícil acreditar que possa existir. Já fez uma saúde com Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA do tempo do presidente Clinton, e parece que em tempos gostava de viajar disfarçado de jornalista. Do primeiro acto não se sabe como o entendeu. Quanto ao segundo, tratou-se de uma forma de ser espião e incógnito no seio do inimigo e poder matar. Atribui-se-lhe um atentado que em 1983, na Birmânia, matou 17 sul-coreanos, entre os quais quatro ministros, e também comandou a colocação de uma bomba num avião da Korean Airlines cuja queda custou a vida a 115 passageiros.
Não olha a meios para concretizar os seus objectivos. Desde meados dos anos 70 nos serviços secretos norte-coreanos, encomendou raptos de jovens no Japão para que eles ensinassem a língua a espiões a enviar para o império nipónico. Foi também ministro da Cultura e seguiu o mesmo estilo. Para fazer cinema na Coreia do Norte, mandou raptar a sul do paralelo 38º uma actriz e um realizador. Não dá para acreditar, mas não sabe usar senão a prepotência. Discrimina a seu bel-prazer e porque não tolera deficientes expulsa-os das principais cidades. O comentador Nuno Rogeiro, que já visitou Pyong-yang, disse na SIC que até haveria uma localidade só para anões. Fica-se com a impressão de que Kim Jong-il não aceita que as pessoas vivam fora de campos de concentração.
Assim contada, a ditadura dinástica dos comunistas da Coreia do Norte suscita a perplexidade. Há menos de um ano, um jornalista francês do ‘L’Express’ queixou-se na revista que estivera numa escola secundária a denunciar a insustentável situação e os estudantes não acreditaram nele. E tinham razão para desconfiar porque estatisticamente, com um PIB per capita de 1700 dólares (1309 euros), está muito acima dos limiares de pobreza absoluta e até será a 59.ª economia mundial de produção de electricidade. Estes índices são, contudo, para entender da mesma maneira que há três décadas se olhava para o socialismo real dos países de Leste, cuja pobreza só ficou a claro com o fim do Muro de Berlim.
Uma microscópica classe dominante com acesso a meios de bem-estar existe à volta de Kim Jong-il, mas para a esmagadora maiora da população de um território de 122 mil quilómetros quadrados a vida é tão difícil como impossível é praticar qualquer religião. A não ser obviamente o culto do líder, que gosta de ser aplaudido por multidões a acenarem bandeirinhas, embora, em meados de Novembro de 2004, ele tenha mandado retirar as grandes fotografias que existiam em sua honra em muitos locais públicos. Simples dificuldade em se encarar.
No resto, Kim Jong-il filho e herdeiro da presidência do ‘grande dirigente’ Kim il Sung, já nomeou o segundo filho, Kim Jong-Chul, de 25 anos, seu sucessor no comando da Coreia do Norte.
A FIGURA: MENTALIDADE TOTALITÁRIA
As biografias de Kim Jong-il referem duas datas de nascimento: oficialmente nasceu a 16 de Fevereiro de 1942, mas há quem diga que foi um ano antes. A mãe, Kim Jong-Suk, primeira mulher do fundador da Coreia do Norte, Kim il Sung, tê-lo-á dado à luz em Viatskoe, uma aldeia da Sibéria soviética perto de um campo militar onde o pai era figura importante entre comunistas coreanos exilados. Terá sido registado como Youri Irsenovitch Kim. Porque o pai não gostava disso, mudou-lhe a data de nascimento. O filho também muda as realidades à sua vontade. É isto que se chama mentalidade totalitária.
MÍSSEIS DE HÁ 60 ANOS
Apesar do significado que se pode tirar de o lançamento dos sete mísseis acontecer no próprio dia nacional dos EUA, a experiência não parece relevante do ponto de vista militar. E não só por o Taepolong-2, considerado de longo alcance e susceptível de atingir a costa oeste americana, nomeadamente o Alasca, se desintegrar após 40 segundos de voo. Até podia ter pifado de propósito para não alarmar o Japão. Informações dos serviços secretos ocidentais apontam, contudo, para uma tecnologia rudimentar. Os mísseis de Kim Jong-il valem pouco mais que os V-2 alemães da Segunda Guerra Mundial 1939-45.
PRIMOGÉNITO COM RIVAL EM CLONAGEM
Apesar de ser filho primogénito do ‘pai’ da nação e até mais velho do que a própria República Popular Democrática da Coreia, proclamada em 18 de Setembro de 1948 por Kim il Sung, o herdeiro Kim Jong-il corre o risco de se enfrentar com um rival mais perfeito, clonado directamente do ‘presidente eterno’.
Tal como para a guerra, os norte-coreanos não olham a despesas quando se trata de endeusar o fundador. Mais de 200 milhões de dólares foram gastos num mausoléu e o embalsamamento entregue a especialistas russos. Mais, quatro anos após a sua morte, a Assembleia do Povo proclamou, em 1998 e a título póstumo, Kim il Sung como ‘presidente eterno’. Seguindo a palavra, cientistas estão desde há cinco anos a tentar utilizar genes do falecido para criar órgãos em laboratório com vista a fazer revivê-lo. Outra hipótese é a primeira clonagem humana, através de um embrião em mãe de aluguer. Um rival geneticamente puro para Jong-il.
João Vaz
Retirado do Correio da Manhã, 08 de Julho de 2006
Kim Jong-il é uma personagem tão estranha que, tal como a fechada Coreia do Norte, se torna difícil acreditar que possa existir. Já fez uma saúde com Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA do tempo do presidente Clinton, e parece que em tempos gostava de viajar disfarçado de jornalista. Do primeiro acto não se sabe como o entendeu. Quanto ao segundo, tratou-se de uma forma de ser espião e incógnito no seio do inimigo e poder matar. Atribui-se-lhe um atentado que em 1983, na Birmânia, matou 17 sul-coreanos, entre os quais quatro ministros, e também comandou a colocação de uma bomba num avião da Korean Airlines cuja queda custou a vida a 115 passageiros.
Não olha a meios para concretizar os seus objectivos. Desde meados dos anos 70 nos serviços secretos norte-coreanos, encomendou raptos de jovens no Japão para que eles ensinassem a língua a espiões a enviar para o império nipónico. Foi também ministro da Cultura e seguiu o mesmo estilo. Para fazer cinema na Coreia do Norte, mandou raptar a sul do paralelo 38º uma actriz e um realizador. Não dá para acreditar, mas não sabe usar senão a prepotência. Discrimina a seu bel-prazer e porque não tolera deficientes expulsa-os das principais cidades. O comentador Nuno Rogeiro, que já visitou Pyong-yang, disse na SIC que até haveria uma localidade só para anões. Fica-se com a impressão de que Kim Jong-il não aceita que as pessoas vivam fora de campos de concentração.
Assim contada, a ditadura dinástica dos comunistas da Coreia do Norte suscita a perplexidade. Há menos de um ano, um jornalista francês do ‘L’Express’ queixou-se na revista que estivera numa escola secundária a denunciar a insustentável situação e os estudantes não acreditaram nele. E tinham razão para desconfiar porque estatisticamente, com um PIB per capita de 1700 dólares (1309 euros), está muito acima dos limiares de pobreza absoluta e até será a 59.ª economia mundial de produção de electricidade. Estes índices são, contudo, para entender da mesma maneira que há três décadas se olhava para o socialismo real dos países de Leste, cuja pobreza só ficou a claro com o fim do Muro de Berlim.
Uma microscópica classe dominante com acesso a meios de bem-estar existe à volta de Kim Jong-il, mas para a esmagadora maiora da população de um território de 122 mil quilómetros quadrados a vida é tão difícil como impossível é praticar qualquer religião. A não ser obviamente o culto do líder, que gosta de ser aplaudido por multidões a acenarem bandeirinhas, embora, em meados de Novembro de 2004, ele tenha mandado retirar as grandes fotografias que existiam em sua honra em muitos locais públicos. Simples dificuldade em se encarar.
No resto, Kim Jong-il filho e herdeiro da presidência do ‘grande dirigente’ Kim il Sung, já nomeou o segundo filho, Kim Jong-Chul, de 25 anos, seu sucessor no comando da Coreia do Norte.
A FIGURA: MENTALIDADE TOTALITÁRIA
As biografias de Kim Jong-il referem duas datas de nascimento: oficialmente nasceu a 16 de Fevereiro de 1942, mas há quem diga que foi um ano antes. A mãe, Kim Jong-Suk, primeira mulher do fundador da Coreia do Norte, Kim il Sung, tê-lo-á dado à luz em Viatskoe, uma aldeia da Sibéria soviética perto de um campo militar onde o pai era figura importante entre comunistas coreanos exilados. Terá sido registado como Youri Irsenovitch Kim. Porque o pai não gostava disso, mudou-lhe a data de nascimento. O filho também muda as realidades à sua vontade. É isto que se chama mentalidade totalitária.
MÍSSEIS DE HÁ 60 ANOS
Apesar do significado que se pode tirar de o lançamento dos sete mísseis acontecer no próprio dia nacional dos EUA, a experiência não parece relevante do ponto de vista militar. E não só por o Taepolong-2, considerado de longo alcance e susceptível de atingir a costa oeste americana, nomeadamente o Alasca, se desintegrar após 40 segundos de voo. Até podia ter pifado de propósito para não alarmar o Japão. Informações dos serviços secretos ocidentais apontam, contudo, para uma tecnologia rudimentar. Os mísseis de Kim Jong-il valem pouco mais que os V-2 alemães da Segunda Guerra Mundial 1939-45.
PRIMOGÉNITO COM RIVAL EM CLONAGEM
Apesar de ser filho primogénito do ‘pai’ da nação e até mais velho do que a própria República Popular Democrática da Coreia, proclamada em 18 de Setembro de 1948 por Kim il Sung, o herdeiro Kim Jong-il corre o risco de se enfrentar com um rival mais perfeito, clonado directamente do ‘presidente eterno’.
Tal como para a guerra, os norte-coreanos não olham a despesas quando se trata de endeusar o fundador. Mais de 200 milhões de dólares foram gastos num mausoléu e o embalsamamento entregue a especialistas russos. Mais, quatro anos após a sua morte, a Assembleia do Povo proclamou, em 1998 e a título póstumo, Kim il Sung como ‘presidente eterno’. Seguindo a palavra, cientistas estão desde há cinco anos a tentar utilizar genes do falecido para criar órgãos em laboratório com vista a fazer revivê-lo. Outra hipótese é a primeira clonagem humana, através de um embrião em mãe de aluguer. Um rival geneticamente puro para Jong-il.
João Vaz
Retirado do Correio da Manhã, 08 de Julho de 2006
2 Comments:
99.999 a partir de hoje.
Iclui as colunas de Nuno Rogeiro aos Domingos?
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