Patrioteirismo
Estamos a viver numa bolsa de histeria eufórica e o causador deste estado é o futebol. De repente acordamos para o facto de que somos portugueses, a bandeira nacional recobre as janelas, as varandas, as portas; as senhoras ostentam lencinhos com as cores nacionais, usam saias feitas da nossa bandeira, não sei se brincos com o escudo português – isso não vi, mas quem sabe… –Também vi cães cuja coleira era uma bandeirinha enrolada à medida do pescoço e vi, na televisão, um burro cuja albarda era a bandeira nacional. Não é que não goste de burros. Até têm um olhar meigo e podem ser muito prestáveis. Mas não há dúvida que culturalmente este simpático animal não está propriamente muito bem cotado.
Perante tal exuberância nacionalista recordei o que me havia explicado, aqui há uns anos, um simpático sueco quando lhe mostrei a minha estranheza por muitas casas ostentarem um mastro onde era hasteada a bandeira sempre que um acontecimento mais ou menos importante marcava o dia. “Sabe, nós cá temos muito orgulho na nossa bandeira. E também muito respeito. Imagine que ela nunca pode tocar no chão.“ “Às vezes pode ser complicado…” contrapuz. “Mesmo nos casos difíceis. Olhe, aqui há algum tempo participei num festival de paraquedismo. O primeiro homem a saltar trazia a bandeira sueca desfraldada. Era evidente que desta vez ela teria, inevitavelmente, de tocar no chão no momento da aterragem. Pois bem, enganei-me”. “Como assim?” estranhei eu, curioso. ”Muito fácil. Quando o paraquedista se aproximou do chão, um homem, que já esperava no local, correu ao lado dele durante uns metros e quando a bandeira ficou ao alcance das suas mãos agarrou–a pela ponta que vinha solta e assim, quando o paraquedista pousou no chão, a bandeira flutuava no ar sustentada pelas mãos dos dois homens.”
Um espanto, não é? Um exagero, opinarão alguns. Talvez, direi eu. Mas entre isso e a nossa bandeira no lombo do burro ou no pescoço do cão, não tenho dúvidas para que lado pende a minha opção.
Esta crónica poderia ficar por aqui. Se calhar era o que eu devia fazer. Ficar-me pelo anedótico da questão e deixar no ar um sorrisinho brincalhão.
Mas a tentação de comentar esta bolsa de nacionalismo é mais forte do que eu. Não tenho nada contra o futebol e até confesso que a minha corda patriótica vibrou com as nossas vitórias futebolísticas. Mas um nacionalismo que chega ao rubro por causa do futebol e amornece logo de seguida, um patriotismo que vibra tão intensamente com as proezas no relvado e adormece com as grandes causas nacionais, um nacionalismo que grita que somos os maiores diante das proezas do estádio e se lamenta que afinal somos uns coitados sem auto-estima, quando o nosso nacionalismo está na ponta do pé em vez de ser um modo de estar que nos impulsione para a frente, quando o nosso patriotismo não passa de uma manifestação de histeria colectiva, então, pobre Portugal! Continuaremos a ser o irmão pobre da Europa, com elevados níveis de insucesso escolar, com poucos incentivos válidos para o desenvolvimento tecnológico e intelectual, sem capacidade de resposta para os grandes desafios deste tempo, construtores de estádios, mas sem capacidade de construir hospitais e outras estruturas fundamentais. Continuaremos a ser um povo culturalmente medíocre e ignorante.
O poeta Fernando Pessoa acaba a sua obra “Mensagem” com este verso lapidar:
“ É a hora!”
Parafraseando o poeta, eu diria que está na hora de aproveitar este renascer do patriotismo que avassalou o país para o relançar para as grandes causas nacionais. E então sim, o futebol terá prestado um grande serviço à nação.
Manuela Salvador Cunha
Retirado do Primeiro de Janeiro, 10 de Julho de 2006
Perante tal exuberância nacionalista recordei o que me havia explicado, aqui há uns anos, um simpático sueco quando lhe mostrei a minha estranheza por muitas casas ostentarem um mastro onde era hasteada a bandeira sempre que um acontecimento mais ou menos importante marcava o dia. “Sabe, nós cá temos muito orgulho na nossa bandeira. E também muito respeito. Imagine que ela nunca pode tocar no chão.“ “Às vezes pode ser complicado…” contrapuz. “Mesmo nos casos difíceis. Olhe, aqui há algum tempo participei num festival de paraquedismo. O primeiro homem a saltar trazia a bandeira sueca desfraldada. Era evidente que desta vez ela teria, inevitavelmente, de tocar no chão no momento da aterragem. Pois bem, enganei-me”. “Como assim?” estranhei eu, curioso. ”Muito fácil. Quando o paraquedista se aproximou do chão, um homem, que já esperava no local, correu ao lado dele durante uns metros e quando a bandeira ficou ao alcance das suas mãos agarrou–a pela ponta que vinha solta e assim, quando o paraquedista pousou no chão, a bandeira flutuava no ar sustentada pelas mãos dos dois homens.”
Um espanto, não é? Um exagero, opinarão alguns. Talvez, direi eu. Mas entre isso e a nossa bandeira no lombo do burro ou no pescoço do cão, não tenho dúvidas para que lado pende a minha opção.
Esta crónica poderia ficar por aqui. Se calhar era o que eu devia fazer. Ficar-me pelo anedótico da questão e deixar no ar um sorrisinho brincalhão.
Mas a tentação de comentar esta bolsa de nacionalismo é mais forte do que eu. Não tenho nada contra o futebol e até confesso que a minha corda patriótica vibrou com as nossas vitórias futebolísticas. Mas um nacionalismo que chega ao rubro por causa do futebol e amornece logo de seguida, um patriotismo que vibra tão intensamente com as proezas no relvado e adormece com as grandes causas nacionais, um nacionalismo que grita que somos os maiores diante das proezas do estádio e se lamenta que afinal somos uns coitados sem auto-estima, quando o nosso nacionalismo está na ponta do pé em vez de ser um modo de estar que nos impulsione para a frente, quando o nosso patriotismo não passa de uma manifestação de histeria colectiva, então, pobre Portugal! Continuaremos a ser o irmão pobre da Europa, com elevados níveis de insucesso escolar, com poucos incentivos válidos para o desenvolvimento tecnológico e intelectual, sem capacidade de resposta para os grandes desafios deste tempo, construtores de estádios, mas sem capacidade de construir hospitais e outras estruturas fundamentais. Continuaremos a ser um povo culturalmente medíocre e ignorante.
O poeta Fernando Pessoa acaba a sua obra “Mensagem” com este verso lapidar:
“ É a hora!”
Parafraseando o poeta, eu diria que está na hora de aproveitar este renascer do patriotismo que avassalou o país para o relançar para as grandes causas nacionais. E então sim, o futebol terá prestado um grande serviço à nação.
Manuela Salvador Cunha
Retirado do Primeiro de Janeiro, 10 de Julho de 2006
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home