Ajuda atrasa desenvolvimento da África
Não se assustem. O título não corresponde ao pensamento de um antiafricano, nem de um neocolonialista empedernido, nem de um inimigo do inevitável na História. Apenas roubei, para o título desta crónica, a ideia de um intelectual africano representante da geração pós-independências, um conhecido economista queniano, James Shikwati, de 35 anos, formado pela Universidade de Nairobi e director da Rede Económica Inter--Regional, instituto que promove as ideias do mercado livre. Que disse este queniano ilustre à revista brasileira Veja, em Agosto passado? "A ajuda (humanitária) atrapalha."
Shikwati concedeu a referida entrevista (os brasileiros e a sua imprensa estão-se preocupando cada vez mais com África, ao contrário daqueles que dela tanto falam e dela pouco tratam) após a decisão do G7 de aumentar para 50 mil milhões de dólares por ano a ajuda humanitária a África. Quando o jornalista lhe perguntou se essa decisão não era "uma boa notícia", respondeu "É bom para os países ricos, como manobra de relações públicas. Como medida útil para a criação de riqueza, o que os países africanos precisam, as doações não ajudam em nada. Se der dinheiro a um mendigo e voltar a vê-lo na rua no dia seguinte, não se pode dizer que o tenha ajudado. Ele continua mendigando. É isso que está acontecendo em África."
Parece dura esta análise, sobretudo para aqueles que, na Europa e nos Estados Unidos, culpabilizam sistematicamente os países ricos (os seus países) e seus governos de não ajudarem o suficiente o continente africano. Há, nas nossas sociedades ricas, uma parcela da opinião pública, dos intelectuais e dos jornalistas que se autoflagelam com o que as sociedades a que pertencem "não fazem" ou as "responsabilidades históricas". Talvez fosse bom por isso - e este um dos motivos por que escolhi as declarações de James Shikwati - lerem análises e declarações de toda uma nova geração de economistas, sociólogos e politólogos africanos que, sem esquecer os males (nem o positivo) da colonização, entendem ser já tempo de pedir responsabilidades a muitos dos actuais dirigentes africanos.
Shikwati explica, dando um exemplo, a ruindade para África das doações internacionais "Na década de 80, a África subsariana recebeu 83 mil milhões de dólares em auxílio. No mesmo período, o padrão de vida na região caiu 1,2 por cento ao ano. A doação só tornou os países africanos mais dependentes de ajuda. Inquirido sobre se não seria "crueldade" deixar sem ajuda milhões de famintos, respondeu assim: "Não é. Se deixar a África lidar com seus problemas sozinha, o continente não vai fracassar ou morrer."
Para o economista queniano, alguns problemas centrais se colocam. Um, a necessidade de parar com as doações aos ditadores africanos, que "usam esse dinheiro para guerras e para a compra de votos"; outro, "a necessidade de os países africanos expandirem o seu próprio mercado" ("Se há uma seca, em vez de tentarmos fazer negócios com os países vizinhos, pedimos comida"); depois, fazer com os líderes africanos adoptem estratégias de desenvolvimento para garantir ajuda financeira continuada ("comecei a entender que capitalismo não é feito apenas com dinheiro, mas também com recursos humanos"); finalmente, procurar abrir mais os mercados de África e dos países ricos aos produtos africanos.
Shikwati dá mais exemplos interessantes. O de empresas estatais ineficientes, criadas com doações internacionais, que dificultam pôr-se "o sector privado a competir"; o do sector agrícola, já que "o envio de toneladas e toneladas de alimentos atrapalha os produtores locais, que param de produzir o pouco que têm", incapazes de competir "com os alimentos distribuídos gratuitamente à população"; o pouco sector produtivo que está "sendo destruído" (na Nigéria, em 1997, "havia 137 mil empregados na indústria têxtil", em 2003 restam "apenas 57 mil", porque "os países ricos nos inundam com roupas doadas, que vão abastecer os mercados de rua nas cidades africanas").
Shikwati faz análises radicais. Como esta "A ajuda financeira a África está baseada em estatísticas exageradas ... recentemente descobriu-se que (no Quénia) não há três milhões de infectados com sida e sim um milhão", o que mostra como "a sida se tornou uma doença política, usada como apelo de marketing para atrair mais dinheiro em doações externas" e "é triste que isso esteja acontecendo, porque as pessoas estão realmente morrendo".
Compreender melhor a nova África e os novos africanos é cada vez mais um exercício necessário para nós, europeus.
José Manuel Barroso
Retirado do Diário de Notícias, 20 de Outubro de 2005
Shikwati concedeu a referida entrevista (os brasileiros e a sua imprensa estão-se preocupando cada vez mais com África, ao contrário daqueles que dela tanto falam e dela pouco tratam) após a decisão do G7 de aumentar para 50 mil milhões de dólares por ano a ajuda humanitária a África. Quando o jornalista lhe perguntou se essa decisão não era "uma boa notícia", respondeu "É bom para os países ricos, como manobra de relações públicas. Como medida útil para a criação de riqueza, o que os países africanos precisam, as doações não ajudam em nada. Se der dinheiro a um mendigo e voltar a vê-lo na rua no dia seguinte, não se pode dizer que o tenha ajudado. Ele continua mendigando. É isso que está acontecendo em África."
Parece dura esta análise, sobretudo para aqueles que, na Europa e nos Estados Unidos, culpabilizam sistematicamente os países ricos (os seus países) e seus governos de não ajudarem o suficiente o continente africano. Há, nas nossas sociedades ricas, uma parcela da opinião pública, dos intelectuais e dos jornalistas que se autoflagelam com o que as sociedades a que pertencem "não fazem" ou as "responsabilidades históricas". Talvez fosse bom por isso - e este um dos motivos por que escolhi as declarações de James Shikwati - lerem análises e declarações de toda uma nova geração de economistas, sociólogos e politólogos africanos que, sem esquecer os males (nem o positivo) da colonização, entendem ser já tempo de pedir responsabilidades a muitos dos actuais dirigentes africanos.
Shikwati explica, dando um exemplo, a ruindade para África das doações internacionais "Na década de 80, a África subsariana recebeu 83 mil milhões de dólares em auxílio. No mesmo período, o padrão de vida na região caiu 1,2 por cento ao ano. A doação só tornou os países africanos mais dependentes de ajuda. Inquirido sobre se não seria "crueldade" deixar sem ajuda milhões de famintos, respondeu assim: "Não é. Se deixar a África lidar com seus problemas sozinha, o continente não vai fracassar ou morrer."
Para o economista queniano, alguns problemas centrais se colocam. Um, a necessidade de parar com as doações aos ditadores africanos, que "usam esse dinheiro para guerras e para a compra de votos"; outro, "a necessidade de os países africanos expandirem o seu próprio mercado" ("Se há uma seca, em vez de tentarmos fazer negócios com os países vizinhos, pedimos comida"); depois, fazer com os líderes africanos adoptem estratégias de desenvolvimento para garantir ajuda financeira continuada ("comecei a entender que capitalismo não é feito apenas com dinheiro, mas também com recursos humanos"); finalmente, procurar abrir mais os mercados de África e dos países ricos aos produtos africanos.
Shikwati dá mais exemplos interessantes. O de empresas estatais ineficientes, criadas com doações internacionais, que dificultam pôr-se "o sector privado a competir"; o do sector agrícola, já que "o envio de toneladas e toneladas de alimentos atrapalha os produtores locais, que param de produzir o pouco que têm", incapazes de competir "com os alimentos distribuídos gratuitamente à população"; o pouco sector produtivo que está "sendo destruído" (na Nigéria, em 1997, "havia 137 mil empregados na indústria têxtil", em 2003 restam "apenas 57 mil", porque "os países ricos nos inundam com roupas doadas, que vão abastecer os mercados de rua nas cidades africanas").
Shikwati faz análises radicais. Como esta "A ajuda financeira a África está baseada em estatísticas exageradas ... recentemente descobriu-se que (no Quénia) não há três milhões de infectados com sida e sim um milhão", o que mostra como "a sida se tornou uma doença política, usada como apelo de marketing para atrair mais dinheiro em doações externas" e "é triste que isso esteja acontecendo, porque as pessoas estão realmente morrendo".
Compreender melhor a nova África e os novos africanos é cada vez mais um exercício necessário para nós, europeus.
José Manuel Barroso
Retirado do Diário de Notícias, 20 de Outubro de 2005
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