Prometeu esmagado
Fui sabendo de Marcello, até 1973, por telefonemas de circunstância (quase sempre para me cumprimentar pelo Quadro de Honra permanente no liceu) e por conversas com os meus pais.
Falara um dia preocupado, perante a possibilidade de multa por uma rádio sem licença, discutia as horas correntes da transição e reunia-se na Choupana, em São João do Estoril, com o grupo de colaboradores que considerava mais amigos, e mais leais. Nunca vislumbrei estes encontros, nem sequer para comer as batatas fritas em baldinhos, mas o que se passava lá dentro, diz-se, mudava o país.
Estivemos juntos poucas vezes, mas notei-lhe sempre um ar pesado e soturno, sobretudo a partir de 1973. O odor a fim de regime era claríssimo. Em Fevereiro de 1974, achou-se obrigado a escrever, e ler, um texto chamado, precisamente, Vencer a Hora Sombria, espécie de último apelo de um treinador que sabe já não ter equipa ou capacidade para chegar ao fim, mas que também não pode – nem que seja pela honra – admitir o caos pela porta principal.
No fim de 1973, num mês que não posso precisar, o malogrado João Paulo Tomás, neto do Presidente da República, benfiquista ferrenho e amigo chegado, chegou-me ao recreio com cara de caso. Disse-me, resumidamente, que o avô lhe falara do facto de a guerrilha africana estar a adquirir armas mais modernas que as portuguesas, e da “conspiração de Spínola e de Costa Gomes” contra o regime.
Marcello não aparecia “implicado” nesta descrição, feita muito antes do 25 de Abril, que deveria ser voz comum em Belém, para poder ser do conhecimento de um garoto de 15 anos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home