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sexta-feira, setembro 22, 2006

'Nine-eleven': um ponto sem retorno


Contava-se a história daquele soldado inglês que esteve na Batalha de Waterloo e, interrogado sobre o que havia visto, terá respondido que no meio de tão grande confusão só se recordava de ver passar um homem pequeno em cima de um cavalo branco.

Há cinco anos eu estava em trabalho na cidade do Panamá com bilhete de avião para, no dia 12, voar para Washington. Durante o dia 11, fechada numa sala de reuniões, com as comunicações dificultadas, as notícias contraditórias, o estado de alerta imediatamente decretado no canal do Panamá, a ansiedade corajosamente contida de vários representantes das Nações Unidas, agências e organismos multilaterais com sede em Nova Iorque, que não tinham forma de contactar as famílias, era eu o soldado de Waterloo: não conseguia ver mais que a explosão de duas torres, provocada por dois aviões. Só à noite percebi que o segundo milénio se iniciava de facto e que aquela data marcava uma fronteira histórica irreversível.

Hoje, após cinco anos de convivência com o fenómeno que então emergiu de modo tão brutal, faz sentido interrogarmo-nos sobre o que é que mudou e o que é que continua? Ou seja, há uma ruptura essencial ou tão-só um acidente de percurso que será reencontrado mais adiante?

Como noutras situações, a História depende do seu curso próximo-futuro, isto é, se se repetiriam e multiplicariam os episódios do tipo "nine-eleven", mas em cinco anos não se repetiram em tal escala ou escalada. Podemos então pensar que, também do lado do macroterrorismo, se introduziram factores de medida e cálculo "político"e que podemos viver com esta espécie de "islamo-leninismo" e enfrentá-lo como uma nova guerra.

Uma guerra do tipo guerra subversiva à escala global; uma guerra contra poderes que - como as guerrilhas tradicionais nas suas áreas de operações - são difíceis de enfrentar exactamente porque são erráticas, não têm base territorial, nem hierarquia visível. E funcionam como uma espécie de franchise de geometria variável, que hoje pode atacar um metro de Londres, amanhã um resort turístico na Turquia, para a semana um avião comercial asiático.

Mas essa guerra é uma guerra contra o terrorismo que nos ataca, para o controlar, isolar e, finalmente, neutralizar. Não é uma guerra contra o Islão, nem uma cruzada contra tudo e contra todos para impôr o nosso modelo civilizacional.

O Iraque bastou para avaliar o inferno das boas intenções e da actuação dos grandes poderes quando saem da ponderação dos seus legítimos interesses nacionais e da contenção da ameaça, e entram no fervor missionário das ideologias globais.

Aliás, neste momento, os Estados Unidos, que sempre - desde Pearl Harbour ao Vietname - souberam aprender as lições dos fracassos, e por isso saíram vencedores da II Guerra Mundial e da III - a Guerra Fria - estão a sair progressivamente da receita neoconservadora e a priorizar a estabilidade política das áreas aliadas, em vez da imposição pura e dura de modelos ideológicos.

Isto é o que hoje podemos pensar, neste curso próximo-futuro da História que vivemos. Mas, nesse dia, uma fronteira irreversível rasgou o curso da História como a víamos e vivíamos. Esse momento simultâneo de ruptura e iniciático ou inaugural de novos tempos, ficou marcado por uma imensa perplexidade e algumas constatações. A perplexidade da demonstração brutal da extrema vulnerabilidade do santuário por excelência do poder, do progresso, da sofisticação tecnológica, da abundância, da democracia; da consequente e irremediável globalização dos riscos e a queda do mito de espaços inexpugnáveis. Por fim, a constatação das consequências de uma fragmentação dos conflitos, com a emergência de uma nova matriz de cariz religioso e ou separatista sem base estadual - resultado do fim abrupto do bloco soviético, do termo da Guerra Fria, das suas regras e códigos de conduta conhecidos num mundo previsível - tornando inúteis muitos dos pressupostos da ordem internacional até então vigente, e ineficazes os mecanismos de controlo e dissuasão das últimas décadas.

Mais aquém e além do como conviver e combater esta nova ameaça do macroterrorismo, é urgente pensar diferente num mundo diferente, com uma nova ordem internacional e uma nova arquitectura dos poderes. Porque, como bem salienta Alexandre Adler, o 11 de Setembro visto agora numa dimensão estratosférica marcou também, nessa fronteira histórica irreversível, a ascensão da Ásia, o reenquadramento hemisférico da América e, sem dúvida, a relativa insignificância da Europa.

Maria José Nogueira Pinto

Retirado do Diário de Notícias, 15 de Setembro de 2006.