O nome de Portugal
Eu gostava de ter tido vontade de receber a Selecção de futebol na Portela, no Jamor, no percurso entre a Portela e o Jamor e nas entradas e nas saídas condicionadas da Portela e do Jamor, que os membros da abençoada comitiva usaram para que fosse mais difícil (logo, mais proveitoso) avistá-los.
Eu gostava de sentir o garrido patriotismo das pessoas que receberam a Selecção na Portela, Jamor, etc., aproveitando para calar os críticos do entusiasmo com o exemplo dos alemães, que há tempos causaram a morte de 50 milhões em nome do “espaço vital” e outras minudências e agora celebraram a derrota numa competição desportiva.
Eu gostava de sinceramente lamentar as pessoas que não receberam a Selecção na Portela, etc., dado que aqueles jogadores são, como ouvi dizer, heróis, e os respectivos feitos constituem, como também ouvi dizer, uma epopeia ímpar.
Eu gostava de perceber o processo pelo qual sete jogos, duas derrotas, meia dúzia de golos e uma série de exibições à exacta medida de uma modalidade em farrapos compõem uma epopeia, e de que modo é que uns sujeitos que desempenham sem dor nem demasiado empenho o seu vulgar ofício são heróis.
Eu gostava de poder concordar com Vicente Jorge Silva, reconhecendo que a Selecção já fez por nós o que podia e, em consequência, ajudar Vicente Jorge Silva a conceber maneiras de pagarmos a dívida, entre as quais isentar de IRS os prémios dos espertalhões, perdão, heróis.
Eu gostava de possuir garganta e boçalidade bastantes para gritar durante meses que até os comemos, ou, na versão formal, que somos tão bons quanto os melhores, e no fundo achar que somos melhores que os melhores, embora não saibamos em quê, nem porquê, nem a quantas andamos.
Eu gostava de confundir sem sombra de inquietação a certeza da nossa superioridade com a suspeita da nossa pequenez, afinal responsável pela evidente conspiração que nos roubou o título de campeões.
Eu gostava de uma vida ociosa, que me deixasse perder cinco minutos em preces ao sr. Scolari, a rogar-lhe que fique, pelo amor das diversas divindades que ele venera, já que só este quase santo homem é capaz de manter a macacada, perdão, os heróis na ordem.
Eu gostava de acreditar que doravante o mundo vai enfim olhar-nos com inveja e pasmo, possivelmente a mesma inveja e o mesmo pasmo que o mundo dedica ao Brasil desde 1958.
Eu gostava de partilhar o jovial oportunismo do eng. Sócrates, e repetir com ele que “todo o País está contente”, e aceitar que isso não nos transforma num bando de maluquinhos, irresponsáveis ou coisa pior.
Eu gostava de apreciar as palavras do prof. Cavaco, quando sugeriu que “esta energia positiva deve ser mobilizada para o reforço do nosso de-senvolvimento”, e não me importava de compreender porque é que os chefes de Estado são pagos para repetir asneiras.
Acima de tudo, gostava de saber que a Selecção e o berreiro em volta da Selecção levaram longe o nome de Portugal. Pelos vistos, não foi o suficiente: eu ainda consigo ouvi-lo.
Alberto Gonçalves
Retirado do Correio da Manhã, 12 de Julho de 2006
Eu gostava de sentir o garrido patriotismo das pessoas que receberam a Selecção na Portela, Jamor, etc., aproveitando para calar os críticos do entusiasmo com o exemplo dos alemães, que há tempos causaram a morte de 50 milhões em nome do “espaço vital” e outras minudências e agora celebraram a derrota numa competição desportiva.
Eu gostava de sinceramente lamentar as pessoas que não receberam a Selecção na Portela, etc., dado que aqueles jogadores são, como ouvi dizer, heróis, e os respectivos feitos constituem, como também ouvi dizer, uma epopeia ímpar.
Eu gostava de perceber o processo pelo qual sete jogos, duas derrotas, meia dúzia de golos e uma série de exibições à exacta medida de uma modalidade em farrapos compõem uma epopeia, e de que modo é que uns sujeitos que desempenham sem dor nem demasiado empenho o seu vulgar ofício são heróis.
Eu gostava de poder concordar com Vicente Jorge Silva, reconhecendo que a Selecção já fez por nós o que podia e, em consequência, ajudar Vicente Jorge Silva a conceber maneiras de pagarmos a dívida, entre as quais isentar de IRS os prémios dos espertalhões, perdão, heróis.
Eu gostava de possuir garganta e boçalidade bastantes para gritar durante meses que até os comemos, ou, na versão formal, que somos tão bons quanto os melhores, e no fundo achar que somos melhores que os melhores, embora não saibamos em quê, nem porquê, nem a quantas andamos.
Eu gostava de confundir sem sombra de inquietação a certeza da nossa superioridade com a suspeita da nossa pequenez, afinal responsável pela evidente conspiração que nos roubou o título de campeões.
Eu gostava de uma vida ociosa, que me deixasse perder cinco minutos em preces ao sr. Scolari, a rogar-lhe que fique, pelo amor das diversas divindades que ele venera, já que só este quase santo homem é capaz de manter a macacada, perdão, os heróis na ordem.
Eu gostava de acreditar que doravante o mundo vai enfim olhar-nos com inveja e pasmo, possivelmente a mesma inveja e o mesmo pasmo que o mundo dedica ao Brasil desde 1958.
Eu gostava de partilhar o jovial oportunismo do eng. Sócrates, e repetir com ele que “todo o País está contente”, e aceitar que isso não nos transforma num bando de maluquinhos, irresponsáveis ou coisa pior.
Eu gostava de apreciar as palavras do prof. Cavaco, quando sugeriu que “esta energia positiva deve ser mobilizada para o reforço do nosso de-senvolvimento”, e não me importava de compreender porque é que os chefes de Estado são pagos para repetir asneiras.
Acima de tudo, gostava de saber que a Selecção e o berreiro em volta da Selecção levaram longe o nome de Portugal. Pelos vistos, não foi o suficiente: eu ainda consigo ouvi-lo.
Alberto Gonçalves
Retirado do Correio da Manhã, 12 de Julho de 2006
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