Sem espaço para a paz
Um velho carismático, molhado até aos tornozelos, murmurava qualquer coisa, à vista da outra margem: envolta em névoa, estava a Palestina, e as muralhas de Jericó. A água ultra-salgada do Mar Morto impedia-nos de mergulhar, e qualquer ferida no corpo ardia como uma tortura.
Pelas seis da tarde, um grupo de soldados jordanos veio avisar-nos. Era preciso sair depressa da água. Um alerta dos serviços secretos em Amã, transmitido aos vizinhos israelitas (que nos seguiam com os binóculos), indicava a possibilidade de infiltrações na margem ocidental do Jordão, ou até ao porto de Eilat, para atentados de “solidariedade” com o Hezbollah.
Horas antes, do alto do Monte Nebo (onde Moisés terá morrido), víamos a distância deste enclave cristão (franciscano) da tolerante Jordânia, em relação aos pontos de conflito: estávamos a poucos quilómetros de quase tudo. Jerusalém, Ramallah, Nablus, os Montes Golã. Um dos problemas do Médio Oriente é esse: a demasiada proximidade de tribos, clãs, países em guerra. Não há cinturões de segurança, terra de ninguém, bolsas de aproximação, zonas verdadeiramente desmilitarizadas. Em suma, não há espaço para a paz.
O Hezbollah preparou-se bem para esta guerra “assimétrica”. A sua liderança político-militar (Nasrallah, Mugnyeh, Harab, Akil, mais dez) está espalhada e, aparentemente, segura, algures entre Hermel, no Norte, o devastado quarteirão de Haret Hreik, em Beirute, o vale de Bekaa, às portas da Síria, e um alegado ‘bunker’ construído pela RDA, há algumas décadas. As suas unidades de foguetões, amplamente municiadas, continuam a mover-se junto à fronteira, entre Baqura, Rmaich, Bent Jmail.
No porto da capital, o míssil C802 ‘Bicho de Seda’, que atingiu a plataforma de helicópteros da corveta israelita Aki-Hanit, foi lançado com precisão, numa salva de dois, com cumplicidade evidente da ‘marinha’ libanesa. Quanto ao míssil Zelzal interceptado pela força aérea judaica (e confundido com a queda de um ‘caça’), era uma óbvia escalada. Embora o “Partido de Deus” possa só ter 11 operacionais, o alcance de 170 quilómetros coloca Telavive em xeque.
Muitos perguntam por que é que Israel não se limitou, desde o início, a ocupar uma zona de segurança de uns 30 a 40 quilómetros, a Sul do Líbano, sobretudo tendo em conta que a conhece bem, desde que a invadiu. Impedia-se assim o disparo útil de uns 80 a 90% dos ‘rockets’ usados, protegia-se a população da Galileia, desmantelava-se apenas a parte militar da agressão. Mas os estrategos e analistas do Monte Miron sabem que o ‘cancro’ está demasiado espalhado.
Um ataque por terra tem custos superiores ao que se pensa, num país com menos de 6 milhões de pessoas, e meio milhão de reservistas, desabituado (ou cansado) de sacrifícios.
Nuno Rogeiro
Retirado do Correio da Manhã, 23 de Julho de 2006.
Pelas seis da tarde, um grupo de soldados jordanos veio avisar-nos. Era preciso sair depressa da água. Um alerta dos serviços secretos em Amã, transmitido aos vizinhos israelitas (que nos seguiam com os binóculos), indicava a possibilidade de infiltrações na margem ocidental do Jordão, ou até ao porto de Eilat, para atentados de “solidariedade” com o Hezbollah.
Horas antes, do alto do Monte Nebo (onde Moisés terá morrido), víamos a distância deste enclave cristão (franciscano) da tolerante Jordânia, em relação aos pontos de conflito: estávamos a poucos quilómetros de quase tudo. Jerusalém, Ramallah, Nablus, os Montes Golã. Um dos problemas do Médio Oriente é esse: a demasiada proximidade de tribos, clãs, países em guerra. Não há cinturões de segurança, terra de ninguém, bolsas de aproximação, zonas verdadeiramente desmilitarizadas. Em suma, não há espaço para a paz.
O Hezbollah preparou-se bem para esta guerra “assimétrica”. A sua liderança político-militar (Nasrallah, Mugnyeh, Harab, Akil, mais dez) está espalhada e, aparentemente, segura, algures entre Hermel, no Norte, o devastado quarteirão de Haret Hreik, em Beirute, o vale de Bekaa, às portas da Síria, e um alegado ‘bunker’ construído pela RDA, há algumas décadas. As suas unidades de foguetões, amplamente municiadas, continuam a mover-se junto à fronteira, entre Baqura, Rmaich, Bent Jmail.
No porto da capital, o míssil C802 ‘Bicho de Seda’, que atingiu a plataforma de helicópteros da corveta israelita Aki-Hanit, foi lançado com precisão, numa salva de dois, com cumplicidade evidente da ‘marinha’ libanesa. Quanto ao míssil Zelzal interceptado pela força aérea judaica (e confundido com a queda de um ‘caça’), era uma óbvia escalada. Embora o “Partido de Deus” possa só ter 11 operacionais, o alcance de 170 quilómetros coloca Telavive em xeque.
Muitos perguntam por que é que Israel não se limitou, desde o início, a ocupar uma zona de segurança de uns 30 a 40 quilómetros, a Sul do Líbano, sobretudo tendo em conta que a conhece bem, desde que a invadiu. Impedia-se assim o disparo útil de uns 80 a 90% dos ‘rockets’ usados, protegia-se a população da Galileia, desmantelava-se apenas a parte militar da agressão. Mas os estrategos e analistas do Monte Miron sabem que o ‘cancro’ está demasiado espalhado.
Um ataque por terra tem custos superiores ao que se pensa, num país com menos de 6 milhões de pessoas, e meio milhão de reservistas, desabituado (ou cansado) de sacrifícios.
Nuno Rogeiro
Retirado do Correio da Manhã, 23 de Julho de 2006.
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