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No fim da década de 50 do século passado, fiquei ligado à vida de Marcello Caetano, de forma involuntária. O meu pai, que fora seu aluno de Direito, que se tronou amigo, e que, como outros jovens do seu tempo, acreditava no Marcellismo, convidou-o para ser meu padrinho de baptismo.
A madrinha não era a sua mulher, mas a lindíssima, carismática e inteligente Ana Maria, a filha mais nova. Na verdade, já se sabia, na altura, do estado de saúde grave de Teresa de Barros Caetano, irmã do professor Henrique de Barros, opositor ao Estado Novo e, depois de 1974, uma figura importante no PS.
O casal Caetano esteve na cerimónia, na velha igreja paroquial de Algés (na altura vivíamos num modesto apartamento da então vila), mas Marcello, que levava a sério a tarefa dos padrinhos (como verdadeiros substitutos dos pais, no caso de morte destes), preferiu que Ana Maria, jovem e vibrante, assumisse, com ele, esse ónus.
Quando Salazar teve o seu acidente cardiovascular, a seguir à queda na Fortaleza de Verão (cuja renda insistia em pagar, quando lá passava férias), lembro-me de que estava na Pousada de S. Lourenço, na serra da Estrela, com os meus pais e o meu irmão, maravilhados com os ensopados de borrego, os jogos de damas e a maravilha granítica do local.
Penso que, na altura, também lá ficavam os nossos inseparáveis tios Fernando (irmão do meu pai) e Maria Elisa (irmã da minha mãe), que casaram no mesmo dia, à mesma hora e no mesmo sítio, em Seixo da Beira. O meu pai, depois de passar pela magistratura do Ministério Público e pela Caixa de Previdência (onde ajudou a montar um dos primeiros sistemas nacionais de segurança social), dedicou toda a vida à Emissora Nacional, hoje RDP (dela foi director administrativo e presidente), só saindo para director-geral da Informação, e, à beira do 25 de Abril, o último ministro da Saúde do “consulado Marcellista”.
No meio das brincadeiras com os meus primos, entre o futebol e as explorações da serra, vimos o ar carregado de todos. Apesar de só vir a extinguir-se anos depois, todos os mais velhos percebiam que o ciclo (humano e político) de Salazar tinha terminado.
Dias passados, na clínica onde jazia o estadista moribundo, vi uma cena revoltante, que não esqueço: uma altiva senhora “da alta”, vestida a rigor e pérola, recebia o beija-mão de gente humilde, que se ajoelhava. Duzentas famílias? Idade Média?
Podem fazer-se paralelos entre Marcello, Gorbachev ou Kerensky, ou De Gaulle do fim?
Por um lado, sim, no sentido em que, como todos eles, se viu com um encargo impossível, que lhe criava genuínas dúvidas. A sua angústia histórica era enorme. Disse-mo em pessoa, escreveu-me em carta. Sabia que precisava de reformar o regime (ou continuá-lo), mas que a opção mais viável, mais imediata, era a revolução, ou o caos.
A sua aparente indecisão e contradições jurídico-políticas (e também o facto de estarem por divulgar muitos documentos e arquivos) criaram sensação de fraqueza, e até teorias de conspiração. A tese da sua conivência no 14 de Março e no 25 de Abril, propalada em Portugal e em Espanha (e que sempre o indignou), equivale a teoria semelhante, aplicada a Gorbachev, quando da sua ambígua posição de “sequestrado”, no golpe de Moscovo.
Poucos terão visto tão bem o problema como Vasco Pulido Valente (que não tem razões pessoais para ser Marcellista, antes pelo contrário), em As Desventuras da Razão. A democracia por ementa, tentada por Marcello, era impossível.
A “renovação na continuidade”, a aprendizagem pós-moderna da TV como arma política, nas Conversas em Família, a doutrina “democrática conservadora” de Em Defesa da Liberdade, o “favor” na abertura do Expresso, o ramo de Oliveira (ou mais do que isso) à “ala liberal”, a criação de governos tecnocráticos ou “pragmáticos” (pelo menos três do últimos ministros de Marcello aderiram ao PS, ou perto dele andaram) eram formas de quadrar um círculo. Os velhos adeptos do Estado Novo desconfiavam, os novos adeptos do Marcellismo quereriam mais, ou melhor, ou as duas coisas.
Ficou famosa, na altura, a brincadeira: “Com o professor Salazar, não percebíamos o que dizia, mas sabíamos o que queria; com o prof. Marcello, percebemos o que diz, mas não sabemos o que quer.”
Fui sabendo de Marcello, até 1973, por telefonemas de circunstância (quase sempre para me cumprimentar pelo Quadro de Honra permanente no liceu) e por conversas com os meus pais.
Falara um dia preocupado, perante a possibilidade de multa por uma rádio sem licença, discutia as horas correntes da transição e reunia-se na Choupana, em São João do Estoril, com o grupo de colaboradores que considerava mais amigos, e mais leais. Nunca vislumbrei estes encontros, nem sequer para comer as batatas fritas em baldinhos, mas o que se passava lá dentro, diz-se, mudava o país.
Estivemos juntos poucas vezes, mas notei-lhe sempre um ar pesado e soturno, sobretudo a partir de 1973. O odor a fim de regime era claríssimo. Em Fevereiro de 1974, achou-se obrigado a escrever, e ler, um texto chamado, precisamente, Vencer a Hora Sombria, espécie de último apelo de um treinador que sabe já não ter equipa ou capacidade para chegar ao fim, mas que também não pode – nem que seja pela honra – admitir o caos pela porta principal.
No fim de 1973, num mês que não posso precisar, o malogrado João Paulo Tomás, neto do Presidente da República, benfiquista ferrenho e amigo chegado, chegou-me ao recreio com cara de caso. Disse-me, resumidamente, que o avô lhe falara do facto de a guerrilha africana estar a adquirir armas mais modernas que as portuguesas, e da “conspiração de Spínola e de Costa Gomes” contra o regime.
Marcello não aparecia “implicado” nesta descrição, feita muito antes do 25 de Abril, que deveria ser voz comum em Belém, para poder ser do conhecimento de um garoto de 15 anos.
Essa inconfidência passou-se num jantar de família, no fim de 1973, em casa dos meus pais (nessa altura, já em Miraflores, no prédio onde depois moraram Costa Brás e Oliveira e Costa, do PSD). A refeição melhorada era servida pelo Chefe Silva, depois conhecido nas revistas de culinária e na RTP, que na altura era o chef do Instituto de Altos Estudos Militares, em Pedrouços.
Lembro-me do interesse de Marcello, quando entrou no meu quarto, pela versão francesa do Dicionário de Filosofia, de André Lalande (na PUF), pela versão espanhola da Paideia, do Werner Jaeger, pelo 1984, do Orwell, e pelo Admirável Mundo Novo, do Huxley. Tinha pedido os dois primeiros livros ao meu pai, para um “ponto” (como se chamavam, na altura, os testes) e os outros dois tinham-me sido oferecidos pelo meu tio Fernando.
“Já vi que o Nuno tem leituras muito avançadas, para 14 anos”, dizia ao meu pai, que revelava ao padrinho o meu gosto pela Filosofia e pela História. “É um caminho essencial, meu filho”, afirmou Marcello. “Então e o Clemente Júnior?”, continuou, querendo saber coisas sobre o meu irmão mais novo, na altura fascinado por experiências químicas e engenhocas várias.
“O Clemente é um bombista!”, exclamou o meu pai com ternura, lembrando as cópias perfeitas que o meu irmão fazia de engenhos explosivos que via nas séries da televisão. Silêncio gélido. Era o tempo dos atentados contra os símbolos do poder.
“Bombista a favor do governo, claro...!”, rematou o meu pai, numa saída genialmente bem-humorada.
No resto da noite (e depois de um incidente em que Marcello bateu violentamente com a cabeça num candeeiro de tecto, ainda por cima pontiagudo), lembro-me de se falar no Congresso dos Combatentes no Ultramar, e mostrou as fracturas reais nas forças armadas. Falou-se também nos famosos decretos 353 e 409, sobre carreiras de milicianos e quadro permanente, remunerações e estatuto.
Vi Marcello Caetano genuinamente destruído. “Mas querem que eu ponha a polícia a prender a tropa?”, perguntava, impaciente.
Lembro-me de ter dito ainda alguma coisa sobre o uso generalizado de droga nas unidades de Moçambique, dos “generais sem prestígio entre os soldados e oficiais mais novos”.
Anos mais tarde, nas cartas, disse-me que seria importante publicar todas as actas do Conselho Superior de Defesa Nacional, para se compreender as posições dos chefes militares face à guerra. Sempre lhe notei uma profunda distância “civilista” em relação à hierarquia militar, que respeitava institucionalmente mas compreendia pouco, e cujo funcionamento lhe parecia anacrónico e ineficaz.
Lembro-me que teve ainda tempo para falar da “subversão galopante, à vista de todos”. Dissera que passara pelas Galerias Itaú, junto à Estados Unidos da América, e de só ter visto livros comunistas. Junto ao elevador de Santa Justa, por outro lado, vislumbrou uma banca “nacionalista”, com panfletos ofensivos e amesquinhantes. Quase todos comparavam a sua “hesitação” à “determinação” de Salazar. Explicou-me, em aparte, repetido numa carta de 1979, que uma coisa era governar “em longo período de estabilidade e outra entre fumos de revolução”. Lembro-me de lhe ter perguntado, também por escrito, se não eram também os dirigentes e os regimes que faziam a sua própria “estabilidade” ou “revolução”.
Já não respondeu. Morria no Rio de Janeiro em Outubro de 1980, depois de um agudo ataque de asma.
Nuno Rogeiro
Para aqueles que estão acostumados a desprezar como “teoria da conspiração” a hipótese de que o Council of Foreign Relations trama com o Grupo Bilderberg e outros círculos de milionários a implantação progressiva mas rápida de um governo mundial, o próprio CFR acaba de dar uma resposta definitiva, num documento oficial em que assume de vez o projeto e a parceria tão longamente descartados pelos onissapientes comentaristas da mídia. No relatório “Building a North American Community”, recentemente divulgado, o mais poderoso think tank globalista dos EUA propõe nada menos que a abolição das fronteiras entre Canadá, México e EUA e a transformação do continente numa “área onde o comércio, o capital e as pessoas circulem livremente”, a base para “o ingresso mais fácil no território americano”.
Num momento em que a população americana em peso clama por um controle mais rigoroso das fronteiras e os especialistas militares alertam para os perigos incalculáveis do fluxo contínuo de terroristas e narcotraficantes camuflados de imigrantes ilegais chicanos, a declaração mostra o total desprezo da elite globalista bilionária pela segurança nacional. Não resta a menor dúvida de que o CFR planeja sacrificar friamente a nação americana no altar da unificação administrativa do mundo, a ser atingida, segundo a idéia do velho Morgenthau, por meio de progressivas integrações regionais.
Porém o mais surpreendente no relatório é a admissão de que a fusão dos três países deve ser feita “segundo as linhas propostas pelas conferências de Bilderberg e Wehrkunde, organizadas para fomentar as relações transatlânticas”.
Até agora, esses nomes jamais tinham aparecido num documento oficial do CFR. Bilderberg e Wehrkunde são grupos altamente secretos de potentados da política e da economia que se reúnem periodicamente, sob precauções de segurança maiores que as de qualquer encontro de chefes de Estado, para planejar a implantação de um governo mundial e inaugurar uma nova civilização planetária, incluindo, segundo seus críticos, a fusão de todas as religiões num novo culto biônico inspirado no lixo teosófico de Madame Blavatsky e Alice Bailey. Na última reunião dos Bildergergers, em Sintra, Portugal, a cidade inteira foi bloqueada à entrada de repórteres, enquanto, fechados a sete chaves, longe de toda fiscalização crítica, tipos como os Rockefellers, Gorbachov, George Soros e, modéstia à parte, o nosso Fernando Henrique Cardoso, inventavam o mundo em que vão viver nossos netos.
Ao proclamar sua adesão aos objetivos das conferências Bilderberg e Wehrkunde, o CFR confirma ao menos uma parte do que foi denunciado em alguns clássicos da “teoria da conspiração”, como None Dare Call It Conspiracy, de Gary Allen e Larry Abraham (Sealbeach, California, Concord Press, 1972), e sobretudo o mais recente e informado The Brotherhood of Darkness, de Stanley Montieth (Oklahoma City, Hearthstone Publishing, 2000).
Essa confissão basta para explicar por que, arriscando atrair o ódio da base conservadora que o elegeu, o presidente George W. Bush, pertencente a uma família tradicionalmente ligada ao CFR, insiste em dar seu apoio ao projeto de anistia para doze milhões de imigrantes ilegais, elevando ao nível de uma ameaça apocalíptica os riscos de segurança que, por outro lado, ele anuncia querer controlar com mão de ferro. O projeto não só conta com a rejeição maciça do eleitorado americano, mas foi apresentado por dois políticos que Bush teria razões de sobra para considerar seus inimigos: Ted Kennedy, o mais devotado patrono de todas as causas esquerdistas, e John McCain, um republicano que mesmo examinado em microscópio não se distingue facilmente de um democrata.
Os interesses maiores do globalismo, evidentemente, transcendem as considerações eleitorais, o respeito pela vontade popular e a profunda inimizade política. Segundo o documento do CFR, George W. Bush, o presidente mexicano Vicente Fox e o primeiro-ministro canadense Paul Martin já se declararam “comprometidos” com a causa ali anunciada, quando do seu encontro no Texas em 23 de março de 2005.
No entanto, seria ingenuidade imaginar que o apoio da elite globalista ao estupro das fronteiras se limita a declarações de intenções. Ele inclui o planejamento e a sustentação financeira de ações políticas decisivas.
O relatório “Building a North American Community” foi publicado sob o patrocínio de um grupo de grandes empresas, entre as quais a Archer Daniels Midland Corp., ADM, o maior suporte financeiro do senador Sam Brownback. Logo após receber uma bolada de dinheiro da ADM, esse republicano do Kansas saiu alardeando apoio ao programa de anistia para os ilegais, anunciando que o fazia por piedade cristã.
A luta dos globalistas pela causa mais impopular que já se apresentou na arena política dos EUA também não se contenta com subsidiar manobras parlamentares. Inclui a arregimentação das massas e a ajuda a protestos violentamente antiamericanos. O Boletim G-2, publicado pelo assombroso repórter Joseph Farah como apêndice de seu jornal eletrônico WorldNetDaily, revela na sua última edição os principais suportes financeiros por trás dos movimentos que, para muito além da anistia aos ilegais, visam a entregar ao México os territórios do Texas e da Califórnia. Os mais poderosos entre esses movimentos são “La Raza”, “Lulac” (League of United Latin American Citizens) “Maldef” (Mexican American Legal Defense and Educational Fund) e “Mecha” (Movimiento Estudiantil Chicano de Aztlan). Os quatro são financiados por fundações e corporações milionárias associadas ao CFR, como Rockefeller e Ford, Bristol-Meyers Squibb, Chemical Bank, Chevron, Chrysler, General Motors, General Electric, Lockheed, Rockwell, Southwestern Bell, Quaker Oats, Verizon Foundation, AT&T Foundation e o Open Society Institute de George Soros. “ La Raza” foi praticamente criada pela Fundação Ford.
Esses quatro movimentos organizaram os recentes protestos que hastearam bandeiras mexicanas pelas ruas dos EUA e anunciaram, nas palavras de Mario Obeldo, líder histórico da Mecha, condecorado em 1998 por Bill Clinton, que “a Califórnia vai ser um Estado hispânico: quem não gostar vai ter de sair”.
A alta elite financeira e a militância vociferante, que os iluminados comentaristas da nossa mídia apresentam como os dois pólos de um conflito de vida e morte causado pela “desigualdade” e pela “injustiça social”, são exatamente uma só e mesma força. E o que move o conjunto não é nenhuma das “causas sociais” impessoais e anônimas que a pseudociência ensina serem os motores da história humana: é o planejamento vindo de cima, acompanhado dos meios financeiros, publicitários e políticos de realizá-lo.
Espero que o leitor mais desperto compreenda, à primeira vista, o quanto esses fatos tornam inviável e suicida o empenho de continuar pensando o mundo segundo as linhas usuais propostas pela tagarelice intelectual dominante. A identificação de globalismo e americanismo, por exemplo, que a totalidade das nossas classes falantes dá por pressuposta como elemento básico para a compreensão da política internacional, é uma besteira sem mais tamanho, e quem quer que insista nela depois do documento do CFR deve ser considerado um desinformante profissional ou um idiota incurável.
O aspecto mais deplorável em tudo isso não é somente que a humanidade seja arrastada por elites ferozmente ambiciosas em direção a objetivos que não lhe são sequer informados. É que as próprias ciências sociais, intoxicadas de conceitos explicativos que não explicam nada, estejam tão desarmadas para dar conta dos fatos de magnitude incomparável que estão, neste momento, determinando os destinos do mundo. Quando os agentes maiores do processo histórico têm planos que vão além da compreensão da intelectualidade média – para não falar da opinião pública em geral --, é inevitável que esses planos sejam postos em prática sem qualquer possibilidade de discussão crítica. Da noite para o dia, a humanidade atônita despertará num mundo novo, sem saber como foi parar ali nem quais são precisamente as regras do jogo. A ignorância geral terá se tornado um dos pilares do poder constituído. E o grupo dominante estará separado do povo por uma distância similar à que existe entre os deuses do Olimpo e uma multidão de cupins no subsolo.
Meus alunos são testemunhas do esforço que tenho feito para substituir noções pré-históricas de sociologia e ciência política por ferramentas descritivas mais adequadas à presente situação do mundo. Esforços similares vêm-se desenvolvendo em vários centros, mas sempre à margem da corrente acadêmica principal, congelada num verbalismo obsoleto e presunçoso que, se serve de alguma coisa, é de instrumento publicitário para a implantação de políticas que os próprios porta-vozes desse discurso não enxergam nem compreendem.
Não é preciso dizer que, baixando do plano internacional ao nacional, nada dos acontecimentos políticos locais pode ser explicado sem referência ao novo esquema de poder que está se formando no planeta. O apoio descarado das fundações globais bilionárias a movimentos revolucionários como o MST é o fato fundamental que vai determinar o destino nacional nos próximos anos, e os poucos que costumam mencioná-lo, como o sr. Lyndon LaRouche, só o fazem pelo viés de seus próprios planos, que não têm nada a ver com um desejo sincero de compreensão do processo.
Se a esquerda continua obscurecendo suas próprias ações com o discurso padronizado que camufla as verdadeiras relações de poder, nos círculos liberais e conservadores a discussão atém-se obsessivamente a proclamações doutrinais gerais que não ajudam em nada a esclarecer o que está se passando.
Para mim já se tornou evidente, por exemplo, que o sucesso no plano do Foro de São Paulo, a implantação da URSAL, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, não somente não se opõe em nada aos objetivos do globalismo, mas contribui decisivamente para eles, fomentando uma integração regional que provocaria orgasmos em Hans Morgenthau e que, a longo prazo, só tornaria a América Latina ainda mais dependente dos bancos internacionais.
E não me venham com a ilusão risível de que o petróleo venezuelano é uma temível arma antiimperialista. Ninguém no CFR ou nos círculos governamentais americanos ignora que o Estado do Colorado tem reservas de petróleo jamais exploradas, equivalentes a vinte vezes o total das reservas da Arábia Saudita. No Brasil ninguém sabe disso, porque não saiu naquela porcaria do New York Times. Mas o pessoal que em Washington lê revistas especializadas sabe que, se existe um país imune a chantagens petrolíficas (e, de quebra totalmente desnecessitado do petróleo do Iraque, para não falar da Venezuela), são os EUA.
Isso não quer dizer, é claro, que os planejadores globalistas sejam mentes geniais capazes de acertar em tudo. O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement, Nafta), concebido pelo próprio CFR como um prefácio à integração total de EUA, Canadá e México, foi um fracasso sublime, e nem por isso os planejadores globalistas se deram por achados. Desde o Nafta, segundo dados da ONU, o número de lares mexicanos abaixo da linha de pobreza (menos de 60 dólares por mês) subiu de 60 para 76 por cento, enquanto o preço das tortillas, alimento básico da população, aumentou em 40 por cento. Os contribuintes americanos também não ganharam nada com isso, tendo hoje em dia de arcar com subsídios de 40 por cento para sua produção nacional de milho. E daí? Quando um sujeito acredita que tem na cabeça a solução para os males do mundo, nada detém sua volúpia de remexer os pilares do cosmos em nome de sua esplêndida utopia. Miséria e prejuízo são detalhes desprezíveis ante a grandiosidade épica dos planos globalistas.
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Um artigo do sr. Arnaldo Jabor publicado no Caderno 2 do Estadão do dia 25 está, segundo me informam, obtendo grande repercussão em São Paulo. Nele o comentarista do Jornal Nacional queixa-se de que a superabundância de provas e documentos da criminalidade petista não é suficiente para tirar o judiciário da sua renitente indiferença. Todos “riem da verdade, viram-lhe as costas, passam-lhe a mão na bunda”. Tão profundo é o contraste entre os fatos conhecidos e o cinismo da sua negação oficial, que isso, diz o cronista, está resultando até numa “desmoralização do pensamento”: “A existência desses tipos de mentirosos está dissolvendo a nossa mídia. Esse neo-cinismo está a desmoralizar as palavras, os raciocínios. A língua portuguesa, os textos nos jornais, nos blogs, na TV, rádio, tudo fica ridículo diante da ditadura do lulo-petismo ... as palavras estão sendo esvaziadas de sentido ... o Lula reeleito será a prova de que os delitos compensaram. A mentira será verdade e a novilíngua estará consagrada.”
Lembro-me claramente de ter escrito tudo isso, quase nos mesmos termos, numa época em que o sr. Jabor estava ocupadíssimo embelezando a imagem de São Lulinha e ajudando a preparar o advento do estado de coisas que agora ele mesmo deplora.
A dissolução do idioma, por exemplo, não é um efeito da ditadura petista, mas uma condição prévia, criada propositadamente por uma vasta ação cultural sem a qual ela jamais teria vindo poder a implantar-se. Uma coisa é diagnosticar o processo desde os indícios sociais que denotam o seu curso em formação, outra completamente diferente é constatar o fato consumado que, se discutido abertamente em tempo, teria podido ser evitado. Na época em que escrevi textos como “Língua petista” (Zero Hora, 20 de outubro de 2002), “Língua dupla e estratégia”, O Globo, 2 fev. 2002), “Reclamação inútil” (Zero Hora, 14 de dezembro de 2003) ou “A clareza do processo” (Zero Hora, 15 de junho de 2003), para não falar do meu livro de 1993 (sim, 1993), “A Nova Era e a Revolução Cultural” , a irresponsabilidade geral das classes falantes, incluindo o sr. Jabor, me respondeu com a mesma indiferença cínica que agora elas se queixam de encontrar no judiciário.
Se o sr. Jabor quisesse mesmo saber como chegamos ao descalabro que hoje o escandaliza, bastaria que prestasse atenção aos programas da mesma TV onde trabalha, que ao longo dos anos prepararam a Nação para cair na fraude da superioridade moral da esquerda e para embriagar-se no mito da pureza lulista. A Rede Globo de Televisão foi a grande responsável pela implantação da novilíngua no país. E, se hoje o sr. João Roberto Marinho dá um discreto apoio a organizações conservadoras, seu jornal e sua TV continuam a serviço do mais descarado esquerdismo. Compreendo que o sr. Jabor não possa denunciar seus próprios patrões. Eu mesmo não podia fazê-lo quando escrevia para O Globo, limitando-me então a diagnósticos gerais na esperança de que o leitor, com base nas descrições suficientemente claras que eu lhe fornecia, desse nome aos bois. Mas o sr. Jabor, ao denunciar com atraso aquilo que um seu colega sacrificou o emprego (aliás dois) para denunciar em tempo, poderia, sem citar o antecessor, o que seria mesmo demasiado doloroso para sua vaidade, ao menos reconhecer genericamente que está chegando tarde, que está falando na condição de cúmplice moral arrependido e não na de vítima inocente escandalizada. Lembro-me de que tanto falei das coisas que agora ele proclama, que, na época (quer dizer, no tempo e na revista “Época”), cheguei a ser acusado de obsessivo e redundante.
A capacidade do sr. Jabor como diagnosticador de males nacionais consiste apenas no seu timing oportunista de só dizer as coisas quando todo mundo já sabe delas e posar, então, de profeta do acontecido. O sr. Jabor não é solução: é parte do problema. A frouxidão cômoda da sua consciência moral, no entanto, não é característica individual dele (se fosse, eu nem tocaria no assunto nesta coluna, que não tem nada a ver com a vida pessoal de quem quer que seja): é um vício geral da classe jornalística, empenhada em exigir dos políticos uma correção ética superior à que ela própria é capaz de manter.
Detalhe esclarecedor
Eu mal tinha enviado este artigo ao Diário do Comércio, quando chegou um despacho da Associated Press com a informação de que o parlamento mexicano acabava de aprovar a liberação do porte e uso de cocaína, maconha, heroína, LSD, anfetaminas, ecstasy e até 2,2 libras (sim, quase um quilo!) de peiote, o cacto alucinógeno que a empulhação literária de Carlos Castañeda celebrizou nos anos 70 como uma fonte de conhecimentos espirituais, porca miséria. A lei precisa ainda do aval do presidente Fox, mas, acrescenta a agência, “isso não parece ser um obstáculo”. Um porta-voz de Fox já demonstrou a satisfação do presidente com a medida, anunciando, com cinismo exemplar, que ela facilitará o combate ao narcotráfico.
A nova lei aumentará incalculavelmente o afluxo de jovens americanos viciados ao território mexicano, e é vista com maus olhos pelas autoridades políciais dos EUA, mas não resta dúvida de que ela dá um passo enorme em direção à supressão das fronteiras nacionais, pretendida pelo CFR e pelos Bilderbergers. Nos círculos globalistas, o maior financiador das campanhas pela liberação das drogas no mundo é George Soros -- não por coincidência, também um dos mais generosos doadores de dinheiro para os movimentos de mexicanização da Califórnia e do Texas. Por enquanto, a multidão ainda não atinou com a unidade estratégica por trás de mutações catastróficas de escala global que aparecem na mídia idiota como frutos espontâneos da metafísica do progresso. Aos poucos, a identidade dos agentes por trás do processo vai aparecendo -- e, no fim, como anuncia a Bíblia, “sua loucura se tornará visível aos olhos de todos”.
Olavo de Carvalho
Retirado do Diário do Comércio, 01 de Maio de 2006.