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domingo, julho 30, 2006

Os fins e os meios


A pergunta é clássica, na sua urgência. Pode um “fim justo”, como seja a legítima defesa, permitir o uso de “meios injustos”, como armas de destruição indiscriminada, o ataque a civis e neutrais, a destruição da rede eléctrica, o alvejar de ambulâncias?

Uma visão ‘utilitarista’, desculpando o “mal necessário”, na actual “ofensiva defensiva” israelita, precisa de ser repelida liminarmente.

Telavive (ou Jerusalém, se preferirmos) começou esta operação de forma adequada, tentando executar aquilo que a UNIFIL não pôde, não quis ou não soube fazer: proteger as fronteiras internacionais de incursões armadas. Mas o prolongamento das operações, e o ónus excessivo sobre o poder aéreo, desperta legítimas dúvidas sobre o cumprimento escrupuloso do ‘direito da guerra’ (para já não falar na eficácia táctica), pelas forças de defesa judaicas.

Quanto ao Hezbollah, não se desviem as atenções.

O que se discute não é a implantação social, política e espiritual do partido, a sua obra meritória de assistência, ou o seu passado empenhamento na reedificação do Líbano (Jihad al Bina). O que está em causa é a actuação do seu braço armado (a al Mukawama al Islamia), no ataque não provocado à Galileia. Só isso.

GALILEIA, 1982

Em vez do Hezbollah, estavam no Líbano 18 mil homens da OLP, incluindo uma «brigada internacionalista’ de europeus, africanos, latino-americanos, árabes. Israel queixava- -se de meses de ataques intensos, que levavam as populações a norte de Haifa a fugir, ou a dormir em abrigos.

A ‘operação Paz na Galileia’ propunha-se três coisas: anular a “agressão”, criar uma “zona de segurança” no Sul do Líbano e “desmantelar militarmente” a organização de Arafat. Alguns olhavam outros fins, como o controlo do Rio Litani, de forma a compensar a desastrosa salinidade do mar da Galileia.

Depois de combates limitados mas intensos (29 MIG destruídos num só dia), Israel e Síria decidiram não mais se confrontar directamente. A ofensiva terrestre custou aos israelitas mais de 600 baixas.

Foi em 1982, mas parece hoje. Só que o Hezbollah, com um terço dos combatentes, é uma noz muito mais dura do que a OLP.

SUEZ, 1956

A ‘operação Mosqueteiro’, há exactamente meio século, mostrou que o conceito de ‘Ocidente’ era um acidente.

A ofensiva franco-britânica sobre o regime egípcio, preparada por um ataque israelita, tinha causas complexas. Gamaal Nasser, o ‘Mussolini árabe’ (nas palavras de Anthony Eden), nacionalizara o Canal do Suez, prejudicando capitalistas de Londres e Paris. O Cairo apoiava a guerrilha antifrancesa na Argélia, e os fedayeen que infiltravam a jovem Israel.

Militarmente vitoriosos, os poderes europeus viram-se renegados por uma aliança de interesses entre Moscovo e Washington, e perderam, em grande escala, no tabuleiro da geopolítica. De Gaulle disse solenemente que nunca mais confiaria nos “aliados”.

O depois é hoje.

Nuno Rogeiro

Retirado do Correio da Manhã, 30 de Julho de 2006

1º Duque de Loulé


D. Nuno José Severo de Mendóça Rolim de Moura Barreto (1804-1875)

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sábado, julho 29, 2006

A fúria neoconservadora contra a viragem de Bush


A actual política externa de Bush resume-se a palavras vazias." A acusação não parte de um europeu, nem de um americano de esquerda. Ela vem de um neoconservador, I. H. Daalder.

Daalder insurge-se contra Bush ter abandonado a política externa unilateral no segundo mandato, trocando-a por "mera conversa multilateral". Ora, diz ele, os fortes não negoceiam com os fracos, vencem-nos. Assim, Daalder lamenta que Bush já não utilize a força militar para forçar outros países a mudarem de política ou mesmo de regime.

Outro analista da área dos neocons, N. Eberstadt do American Enterprise Institute (AEI), classifica a posição americana face à ameaça nuclear da Coreia do Norte de meras palavras. Também do AEI, Danielle Pletka denuncia a "viragem de 180 graus" de Bush. E diz que todos os sinais apontam para uma falta de determinação no apoio dos EUA a Israel contra o Hezbollah.

Há mais de um mês, Richard Perle classificara de "recuo vergonhoso" a aceitação, por Washington, da possibilidade de negociar directamente com Teerão. Para os neoconservadores, Bush e Condoleezza Rice levaram os EUA a perder a iniciativa na cena internacional, que tiveram no primeiro mandato do Presidente.

Os neocons aproximam esta nova atitude de Bush da política conciliatória de Chamberlain, em Munique, face a Hitler (o célebre appeasement). Não surpreende, assim, que um dos mais furiosos críticos da presente política externa de Bush, o neoconservador Bill Kristol, proponha bombardear o Irão, agora que Teerão incendeia o Médio Oriente através dos seus protegidos Hamas e Hezbollah.

Bill Kristol defende uma acção militar contra o Irão com argumentos parecidos com os que usou para advogar uma invasão do Iraque. Nessa altura, Kristol previu que a invasão "iria clarificar quem está certo e quem está errado quanto às armas de destruição maciça" e "iria revelar as aspirações do povo do Iraque". Agora, ele espera de um ataque ao Irão uma mudança de regime, "detestado pelo povo iraniano".

O problema é que cada dia se confirma ter sido a invasão do Iraque um erro trágico, fazendo Bush cair nas sondagens. E não apenas por não se terem encontrado as tais armas de destruição maciça. Ou por incompetência de Rumsfeld, ao manter no Iraque um número insuficiente de soldados, como também acontece no Afeganistão.

Com eleições parciais para o Congresso em Novembro, a maioria dos republicanos quer tudo menos uma nova aventura militar. E os conservadores "clássicos" começam a levantar a voz contra os "neo".

George F. Will, que escreveu discursos para Nixon, estranha que quem se diz conservador não conheça os limites do poder. Poder militar e não só: os neocons desafiaram também a tradição conservadora de um Governo pouco interventor na economia e com as contas equilibradas.

Ora a estratégia neoconservadora de promover a democracia no mundo à bomba não parece ter resultados brilhantes. Além do fracasso no Iraque, nota G. F. Will, "as eleições levaram o Hamas a governar os territórios palestinianos e tornaram o Hezbollah numa facção importante do Parlamento do Líbano, a partir de onde opera como um Estado dentro de um Estado". E nas eleições do ano passado a extremista Irmandade Muçulmana conquistou um quinto do Parlamento egípcio.

Contra o sugerido ataque militar ao Irão, e lembrando que Bill Kristol já advogara o bombardeamento da Síria em Dezembro de 2004, G. F. Will evoca a política de contenção perante a União Soviética, iniciada pelo presidente Truman a partir de um famoso "longo telegrama" do diplomata George Kennan, enviado de Moscovo em 1946.

Mais tarde, os neocons queriam ver substituída essa política por outra, de roll back, obrigando os soviéticos a recuarem. Mas a contenção acabou por resultar e de que maneira… Como resultou o entendimento entre Reagan e Gorbatchov, na altura tão criticado pela extrema-direita americana.

Refiro estes debates entre conservadores nos EUA porque eles influenciam o nosso futuro - o futuro do mundo. Os neocons, oriundos em boa parte da extrema-esquerda e por isso habituados a dar prioridade à ideologia sobre a realidade, julgaram ter encontrado em Bush o político para concretizar as suas ideias.

E assim aconteceu de início, com a ajuda do 11 de Setembro. Os resultados estão à vista: o mundo tornou-se bem mais perigoso. Trata- -se, agora, de limitar os danos, apesar dos protestos dos neocons.

Francisco Sarsfield Cabral

Retirado do Diário de Notícias, 29 de Julho de 2006

Variações sobre ética e cultura

Na magnífica Revista Brasilis, de novembro/dezembro de 2005, Ubiratan Borges de Macedo publica corajoso artigo denunciando a ausência de Ética no pensamento brasileiro.
Faz ele um confronto entre a bibliografia mexicana e a brasileira sobre o assunto, mostrando que, ante a nossa omissão, na primeira figuram nada menos de três manuais, o de Eduardo Garcia Maynez, de excepcional orientação axiológica, de José Rubem Sanabrias, de fundação tomista, e de Francisco Larroyo, de formação neokantiana, todos os manuais em sucessivas edições, sem se falar na Ética de A . Sanches Vasquez, muito conhecida entre nós.
Segundo Ubiratan, em nossa cultura filosófica prevalecem estudos de caráter cientifico ou epistemológico, quando não estéticos e metafísicos, havendo um vazio no tocante à Ética ou à Moral.
Não há dúvida que inexistem, no Brasil, monografias ou manuais específicos sobre a Ética ou a Moral, não obstante se reconhecer, universalmente, a fundamental importância de ambas no plano filosófico.
Talvez haja exagero na posição de Ubiratan, pois problemas éticos são entre nós versados em obras ou cursos de caráter geral.
No que se refere ao autor do presente artigo não se poderá dizer que não tenha dado a devida atenção à Ética em dezenas de seus livros. Posso mesmo dizer que, desde minhas primeiras obras, tive sempre plena consciência do significado da Ética no domínio da Filosofia, situando-a no ápice das pesquisas, dedicando-lhe mesmo títulos extensos em meus estudos.
Observo, em primeiro lugar, que tem sido, por mais de um autor, observada a diferença, entre nós, entre a Ética de perfil tomista – durante longo tempo dominante – e a resultante, por exemplo, da posição científica do positivismo, para a qual a hegemonia da ciência positiva exige uma Ética de base experiencial ou pragmática.
Por outro lado, não deixa de haver referências às mudanças verificadas no tratamento da Ética em razão de alterações como as do neokantismo ou de compreensão da história no envolver das civilizações.
Além disso, quando se escreve uma monografia específica, como é o caso de minha tese sobre Fundamentos do Direito, impõe-se de per si a necessidade de estudo de Ética, sobretudo quando se chega ao tema das relações e diferenças entre Moral e Direito. Como se vê, os estudos atuais sobre ética não ficaram confinados nos livros dedicados exclusivamente a ela.
Para dar apenas um exemplo, lembro que na referida obra Fundamentos do Direito, cuja 1a edição é de 1940, estudo a ética kantista de Del Vecchio e a de Stammler, mostrando as diferenças entre eles. A seguir, analiso a Ética positivista dos sociologistas, como é o caso de Duguit. A seguir, dedico minha atenção à Ética fundada nos valores, ou seja, na Axiologia, etc.
Não é possível olvidar estudos dessa natureza quando se pretende saber se no Brasil a Ética é efetivamente ausente.
Pernamecendo no estudo de minha posição, meu ponto de partida fundamental foi a de Max Scheler com sua obra básica Der Formalismus in der Ethik und der materiale Ethik Wertethik (O formalismo na Ética e uma Ética Material dos Valores, 1913-1916). Partindo dela foi que evolui no sentido da Ética como momento essencial da cultura.
Minha posição ética se situa no culturalismo, a partir da idéia de pessoa. Não é demais lembrar esses pontos com base no que escrevi sobretudo em meus livros Filosofia do Direito e Introdução à Filosofia.
Falar em Ética é falar em intersubjetividade, entre correlação de formas de trabalho, como bem soube dizer Einstein em 1953: “Todos nós somos alimentados e obrigados pelo trabalho de outros homens e devemos pagar honestamente por ele, não apenas com o trabalho escolhido para nossa satisfação íntima, mas com o trabalho que, segundo a opinião geral, os sirva” (O Lado Humano, rápidas visões colhidas de seus arquivos por Helen Dukas e Banesh Hoffmanm trad. de Lucy de Lima Coimbra, Ed. Universdidade de Brasília, 1984, pág, 48).
Há, assim, uma compreensão ética do trabalho que é, ao mesmo tempo, ética da cultura, entendendo-se aquele como fonte de vida em comunidade, dando-lhe o sentido e a medida.
Não se pense que, nesse tópico, Einstein empregue o advérbio “honestamente”, sem lhe dar todo o peso de seu significado, pois, de outras afirmações deixadas pelo autor da teoria geral da relatividade resulta a sua compreensão moral do trabalho, não em termos de produtividade (campo em que capitalistas e comunistas se encontram, embora sob diversas óticas), mas em termos de serviço devido à comunidade. Nessa compreensão ética do trabalho, entendido como fonte de cultura e, por conseguinte, de deveres para com a comunidade, insere-se, também um novo entendimento da pedagogia e do “direito à educação”.
Como temos tantas vezes afirmado, a Moral, enquanto expressão normativa dos valores da subjetividade, é a fonte primordial de toda a vida ética, sendo, concomitantemente, o seu ponto culminante. Em nenhuma parte da Filosofia, mais do que nesta, as distinções de caráter didático albergam tamanho risco de comprometer a unidade essencial do tema, levando a divorciar o valor moral, enquanto revelação do espírito na autoconsciência de sua autonomia, dos campos de ação em que esse poder criador ou nomotético se desenvolve, dando nascimento às “formas éticas” de vida, que são tanto as costumeiras como as jurídicas ou as políticas.
A eticidade da cultura revela-se, pois, sob vários enfoques. Em primeiro lugar, toda e qualquer objetivação do espírito (entendido o termo “objetivação” em sua acepção mais ampla, quer como ato de perceber ou pensar objetos, quer como ato de realizar objetos e objetivos) pressupõe uma relação entre um “eu” e “outro eu”, ou seja, a “intersubjetividade”. Desse modo, na raiz de toda instauração de um bem de cultura há uma relação “inter homines”, que exige a formulação de uma norma ou medida que atribua a cada um o que é seu.
Eis ai como se coloca a concepção da Ética no culturalismo, de modo a poder-se falar em Ética da Cultura. Pode-se discordar dessa compreensão da matéria, mas não é possível ignora-la quando se pretende saber se inexiste no País trabalho específico sobre Ética. É palavra empregada em ampla acepção, abrangendo valores pertencentes ao bem, desde a Moral Individual, ao Direito e a Moral Social. Vide Introdução à Filosofia, págs. 81-107.
A título de informação, lembro que o fascículo 220 da Revista Brasileira de Filosofia traz amplo noticiário sobre a VIII Semana de Filosofia da Universidade Federal de São João Del Rei, com conferências e cursos sobre a Ética.
Miguel Reale
11 de Fevereiro de 2006

"Fúria de viver"

Dentro de instantes na RTP 1.

sexta-feira, julho 28, 2006

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Fall River inaugurou réplica das Portas da Cidade de Ponta Delgada


Fall River, a cidade mais açoriana da Costa Leste dos Estados Unidos, aproximou-se ainda mais dos Açores ao albergar uma réplica em tamanho real das Portas da Cidade de Ponta Delgada

"A construção das Portas da Cidade assinala um dia histórico nos percu rsos das duas cidades geminadas que transcende as nossas gerações e traduz a ten acidade de um povo - o povo açoriano", afirmou Berta Cabral, presidente da Câmar a Municipal de Ponta Delgada, durante a cerimónia de inauguração do monumento, no passado fim de semana.

De acordo com a autarca, a edificação das Portas da Cidade em Fall Rive r, estado de Massachusetts, representa ainda a concretização de um objectivo da geminação, com 28 anos de existência, entre as duas cidades.

A presidente da Câmara explicou que não foi fácil transportar uma répli ca em tamanho real das Portas da Cidade para os Estados Unidos, mas considera qu e "valeu a pena realizar esta grande obra, carregada de um enorme e profundo sim bolismo para todos os que residem na Costa Leste dos Estados Unidos".

Berta Cabral aproveitou a ocasião para defender o intercâmbio empresari al entre Ponta Delgada e Fall River, sublinhando que a construção daquele monume nto é a "evidência da mútua vontade do estreitamento de relações políticas, econ ómicas, culturais e sociais entre as duas maiores cidades 'açorianas' geminadas" .

Por seu lado, o "mayor" de Fall River, Edward Lambert, reconheceu o sim bolismo histórico que a construção do monumento representa para a cidade mais açoriana da Costa Leste dos Estados Unidos.

O responsável distinguiu ainda Berta Cabral com o título de cidadã hono rária de Fall River "pelo enorme esforço despendido na cooperação e pelos contri butos que tem dado para a consolidação dos laços que unem as cidades irmãs de Fa ll River e de Ponta Delgada".

A inauguração das Portas da Cidade de Fall River contou também com a bê nção do padre Gastão Oliveira e com a presença de várias individualidades portug uesas e norte-americanas.

A réplica das Portas da Cidade foi uma iniciativa da Câmara Municipal d e Ponta Delgada, do "mayor" de Fall River e de empresários das duas cidades.

Metade dos cerca dos cerca de 90 mil habitantes de Fall River é descend ente de portugueses, sobretudo dos Açores.

Lusa

Retirado do Açoriano Oriental, 25 de Julho de 2006.


'Soltas' de São Paulo


A cidade mantém no Inverno a luz e o calor de Verão e só a feliz diminuição do trânsito indicia o período de férias.

São Paulo surpreendente, multifacetada urbe de toda a civilização e de toda a desigualdade, abrindo, em contraste, passo aos sonhos de fortuna e êxito que mesmo os mais pobres agarram como um balão de vento, expectantes e crédulos.

Converso sobre a vida e a política com taxistas e comerciantes, vendedores de água de coco, de óculos de contrabando ou "curitas". Descobri que, se o Brasil tem ainda muitos analfabetos, tem cada vez menos iletrados. Ao contrário de nós. Não há um único que interpelado sobre o que se passa não expenda uma teoria própria sobre o estado da nação.

A corrupção, sempre na ordem do dia, centra-se agora em torno das "sanguessugas", 112 parlamentares acusados de participação num esquema de sobrefacturação na compra de ambulâncias. As televisões passam as fotografias das sanguessugas, em formato "passe", caras patibulares e uma presença significativa de mulheres, igualmente envolvidas na operação, homenagem, decerto, ao modelo das quotas…

Todos são unânimes quanto à oportunidade de submeter o Congresso a uma "faxina geral", embora o brasileiro assuma com humor a fatalidade do político ladrão. Muitos fazem profissão de fé na afirmação de que se os governantes roubassem um pouco menos, o Brasil tornar-se-ia rapidamente um enorme e magnífico país. Curiosamente de Lula só leio uma afirmação meio besta, "nós não aceitaremos que me chamem de desonesto". Mas sendo certo que Lula vai ganhar, e se não à primeira volta apenas graças à candidatura de Heloísa que pode rachar os votos, dividindo o eleitorado "lulista" com má consciência, como explicar este fenómeno?

Decerto pela aposta das máquinas eleitorais no carácter emotivo das massas (compreensível num país com as características culturais do Brasil) e o facto de as opiniões manifestadas na rua e nos media não terem, depois, correspondência nas urnas.

A maior controvérsia surge aquando da sentença do "caso Richthofen", o assassinato de um casal às mãos da própria filha, o namorado e o irmão. O sucedido ganha mais relevo, injustamente é certo, por se tratar de pessoas de condição. Mas o que abala a opinião pública é o facto de a filha Suzane, condenada a 39 anos de prisão, poder sair em liberdade em menos de quatro. Este caso e outro que também envolve um menor levantam a dúvida sobre a adequação das leis a novas e tristes realidades sociais. Penso no reduzido peso que a opinião pública portuguesa teve no nosso processo da Casa Pia, versus o excessivo peso da opinião publicada, e não posso deixar de apreciar o modo desenvolto como todos opinam, ali na rua, naquela terra à qual ainda não foi dado um estatuto de desenvolvida de acordo com os indicadores oficiais.

Mas o Brasil vai andando, e esse facto parece irritar os melhores colunistas cuja indignação provocatória aprecio, como Ubaldo Ribeiro, que procede à impiedosa autópsia de umas elites definitivamente demissionárias, que já não querem ver, nem ouvir, nem falar sobre nada do que dói e incomoda.

Nada, afinal, a que não estejamos habituados nesta Europa decadente que tem a menos o futuro, a esperança e a alegria que os brasileiros, pé rapado ou não, teimosamente reivindicam e ostentam.

Passeio pela cidade constatando o princípio da infinita resistência humana: ao clima, à violência, ao mau Governo, às desigualdades de oportunidades, às privações de bens essenciais, ao peso de uma urbe gigantesca, labiríntica, por vezes desumana, as longas distâncias, o trânsito, a poluição.

E em surpreendente contraste uma grande metrópole desenvolvida, com excelente oferta cultural, comércio de luxo, arquitectura de rara beleza e qualidade, o talento de aproveitar cada espaço para fazer algo bonito, paredes meias com os limites das favelas, territórios de vegetação tropical como selvas demarcadas, ao lado do betão mais puro e duro.

Vou levada por essa desordem ordenada a caminho do MASP não sem antes contemplar, cobiçosa, a feirinha de velharias onde, displicentes, os vendedores oferecem a preços ridículos as pratas portuguesas do século XVIII que são simultaneamente os restos das fazendas, dos sobradões, do Império e de nós próprios.

Maria José Nogueira Pinto

Retirado do Diário de Notícias, 27 de Julho de 2006.

quinta-feira, julho 27, 2006

Manifesto contra o politicamente correto

Nota do autor: Abaixo, manifesto contra o politicamente correto, feito durante o lançamento do livro do embaixador Meira Penna, "Polemos", dia 19/07/2006, em Brasília. Tem como objetivo combater a perseguição movida por um aluno contra o Prof. Paulo Kramer, da Universidade de Brasília, que se julgou ofendido com uma simples palavra proferida em sala de aula.

Você sabia que o "politicamente correto" é uma estratégia criada pela esquerda internacional para fazer com que os próprios cidadãos se policiem uns aos outros, numa espécie de polícia política, enquanto o Estado, tirando proveito político dela, vai nos transformando em criminosos, sujeitos a penas de prisão, pelo simples fato de emitirmos nossa opinião e de dizermos o que sentimos sobre os mais variados assuntos?

Você já parou para pensar que quando o integrante de uma "minoria" é beneficiado por políticas assistencialistas, todos os demais cidadãos que não fazem parte dessa "minoria" são expropriados em seu direito de concorrer livremente com ele?

Você gostaria de perder o sagrado direito à liberdade de expressão, mesmo que a sua expressão possa ser considerada deselegante ou mal educada?

Você acha que cabe à classe política ditar regras de educação para o povo, quando ela própria só dá péssimos exemplos por meio de mentiras, corrupção, apadrinhamentos, assassinatos e cumplicidade com o crime organizado?

Você gosta de ser enganado com estratégias desse tipo, enquanto o Estado vai surrupiando quase metade do seu salário em impostos, sem empregá-los em seus devidos fins, e depois joga a responsabilidade por todas as nossas mazelas na "sociedade", da qual você faz parte, criando-lhe um sentimento de culpa que você não poderia e não deveria carregar?

Se você é uma pessoa que tem família e que foi educado de acordo com os valores tradicionais da civilização ocidental (liberdade e responsabilidade individual, direito de propriedade - seja ela um simples lápis ou uma grande fazenda -, respeito aos mais velhos, à verdadeira autoridade e às leis, além de amor ao próximo e outros tantos valores que por milênios imperaram entre os homens), está na hora de abrir os olhos antes que lhe cassem todos esses valores.

Não permita, jamais, que lhe retirem o direito à liberdade de expressão, um dos fatores mais marcantes da personalidade de cada um de nós.

Não se esqueça de que você tem, sim, todo o direito de dizer as palavras que quiser, de expressar a sua opinião sobre o que bem entender, porque você tem capacidade e discernimento suficientes para saber o que está dizendo.

DIGA NÃO AO "POLITICAMENTE CORRETO". PORQUE CORRETO É VOCÊ SER VOCÊ MESMO, EM SUA INTEIREZA, E NÃO O BONECO QUE O ESTADO QUER QUE VOCÊ SEJA!

DEFENDA O SAGRADO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ANTES QUE VOCÊ SEJA O PRÓXIMO A TER DE CONTRATAR UM ADVOGADO OU A PARAR ATRÁS DAS GRADES!

Félix Maier

Retirado do Mídia Sem Máscara.

Professor da UnB é acusado de racismo por alunos de pós-graduação

Érica Montenegro

Do Correio Braziliense - 12/07/2006

07h36-"Não adianta dar dinheiro para essa crioulada." A frase - pronunciada por Paulo Kramer, 49 anos, professor-adjunto do Instituto de Ciência Política, da Universidade de Brasília (UnB) - levou um grupo de alunos a formalizar queixa contra o professor na reitoria. É a primeira vez que isso ocorre nos 44 anos da UnB. Relatada pelos estudantes em carta entregue ao reitor Timothy Mulholland, e confirmada pelo próprio Kramer, a frase foi dita na manhã de 24 de abril, uma segunda-feira, durante a aula de Teoria Política Moderna (TPM), do programa de pós-graduação em ciência política.

Kramer explicava políticas assistenciais implementadas nos Estados Unidos, na década de 60, para a população negra, quando emitiu a opinião. "Estava dizendo que, antes de se macaquear uma política pública de outro país, é necessário saber quais os efeitos que ela trouxe para os supostamente beneficiados", afirma. "Crioulada" foi o termo mais próximo que o professor diz ter encontrado para traduzir "black under class" - expressão pela qual os negros muito pobres são descritos por parte dos sociólogos nos EUA.

Mas o termo atingiu, em particular, o aluno Gustavo Amora, 24 anos, que tem a pele morena e se reconhece como negro. Gustavo, que foi aluno de Kramer também na graduação, decidiu enviar um e-mail queixando-se ao professor. No texto dizia: "Todos nós conhecemos o seu jeito brincalhão, algo que na maioria das vezes nos diverte dentro de sala. Mas acredito que haja limites para esta interação (.), a linguagem é uma dialética frágil e os dois pólos devem se respeitar para que não se perca esta dinâmica." Kramer desculpou-se amistosamente, e o assunto prometia encerrar-se ali.

Mas, na aula seguinte, o professor fez uma explanação sobre a "onda politicamente correta", que irritou Gustavo e alguns mestrandos da turma. "Ele desrespeitou nossas posições e julgamos por bem levar o caso ao conhecimento da direção do instituto", afirma o estudante Carlos Augusto Machado, 24. Kramer avalia que, em sua condição de professor, chamava a turma à reflexão. "Eu sinceramente tenho medo que essa avaliação sobre o que é preconceito ou o que não é acabe prejudicando a liberdade de expressão, direito individual dos mais importantes", comenta Kramer, que leciona na UnB há 19 anos.

A questão ganhou corpo nos corredores do Instituto de Ciências Política e acirrou o clima entre alunos e professor. Em carta enviada à Comissão de Pós-Graduação no mês passado, sete estudantes dos cerca de 20 que fazem parte da turma de TPM pediram o afastamento de Kramer ou a abertura de uma nova turma.

Tensão

O confronto atingiu o clímax na aula da semana passada: o professor chamou Gustavo Amora de "racista negro" e de "Ku-Klux-Klan negra". Criada em 1865 e até hoje em ação, a Ku-Klux-Klan chegou a queimar negros vivos nos EUA. "O professor estava completamente descontrolado e, como a direção do departamento não havia nos dado respostas satisfatórias, decidimos recorrer à reitoria", completa a também aluna Danusa Marques, 23.

Paulo Kramer não nega a acusação, mas considera que o grupo de alunos havia passado dos limites. "Eles criaram uma espécie de motim, sem sequer ter o respaldo da turma inteira. Então, eu abri a questão para todos", conclui.

Depois de receber os estudantes na última segunda-feira, o reitor Timothy Mulholland encaminhou o caso ao departamento jurídico da UnB, que decidirá como resolver a questão. Se houver um inquérito administrativo e o professor for considerado culpado, pode receber punições que vão da advertência verbal à expulsão do cargo. "É um assunto muito sério, precisa ser avaliado com o máximo de cuidado", resigna-se o reitor. Não há prazo para o departamento jurídico se pronunciar.

Alameda digital

Finalmente uma publicação virtual de direita conservadora que, pelo menos a mim, relembra a brasileira Mídia Sem Máscara.
Ide pois ler e difundir a Alameda Digital, já se encontra nas ligações aqui à direita, como é óbvio.

A Síria emerge à frente e ao centro


“A guerra nada ganha, nada cura, nada acaba... na guerra não existem vencedores, só perdedores.” Assim afirmou Neville Chamberlain na véspera da guerra que, desenfreadamente, tentou evitar mas para a qual contribuíram as suas próprias indiscrições.

Chamberlain estava enganado. A guerra acabou com a Alemanha nazi, apesar do custo ter sido alto: o Holocausto, o colapso do Império Britânico, a estalinização de 11 nações da Europa de Leste, 50 milhões de mortos e meio século de Guerra Fria.

Enquanto escrevo isto, Condi Rice chega ao Médio Oriente e a guerra, já com duas semanas, Israel – Hezbollah, uma troca de artilharia pelos padrões da Segunda Guerra Mundial, parece abrandar. Os recontros finais encontram-se ainda longe, nos primeiros recontros não abundam vencedores, excepto talvez Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah.

Nasrallah desencadeou a guerra no norte com o ataque via túnel ao posto fronteiriço, do qual resultou oito israelitas mortos e dois capturados. Escapou a um ataque com bomba anti-bunker no sul de Beirute; ainda retém os dois israelitas capturados; e o Hezbollah aguentou duas semanas de bombardeamentos por parte de Israel, e ripostou com mais de mil Katyushas contra Israel e com rockets de longo alcance contra a cidade de Haifa.

Enquanto que o iraniano Ahmadinejad fala sobre riscar Israel do mapa, Nasrallah pratica-o. Entre os árabes e muçulmanos para os quais Israel é o maior objecto dos seus ódios Nasrallah certamente que se destaca actualmente tanto quanto pode um líder desde o Egipto de Nasser. Tivessem-no liquidado os israelitas naquele recente ataque aéreo e Israel podia estar hoje a proclamar uma vitória na guerra.

Mas é difícil distinguir o que Israel ganhou. A chocante devastação do Líbano – vias rápidas, centrais eléctricas, estradas, pontes, apartamentos, refinarias, estações de gasolina e autocarros destruídos – podem ter chocado os inimigos de Israel, mas também chocou os seus amigos. É um mistério a razão que pela qual Israel, provocada pelo Hezbollah, atacou o democrático Líbano cujo governo não havia cometido qualquer acto de agressão mas que, juntamente com o Egipto, a Arábia Saudita e a Jordânia, o havia criticado.

E a guerra expôs um desejo profundo, da parte de Israel, de reenviar o seu exército para o Líbano para combater o Hezbollah, cujas transgressão fronteiriça era um desafio para os israelitas, um “venham lá apanhar-nos.”

O grande derrotado é o Líbano. Dezenas de milhar de ocidentais que haviam auxiliado na recuperação do Líbano desde as ruínas dos anos 70 e 80 fugiram. A Revolução dos Cedros, que produziu uma democracia, foi destruída. Com a taxa de mortalidade a subir, milhares de feridos e entre 600.000 a 750.000 desalojados ou refugiados, o Líbano regrediu 20 anos.

Existe o risco de que, a menos que seja enviado auxílio para o Líbano e seja permitido o regresso dos refugiados aos seus lares, em vez de ser um exemplo do projecto de Bush de implantação da democracia no mundo árabe o Líbano se torne noutro Estado falhado.

Teerão, também, sofreu uma perda de prestígio. Como patronos do Hezbollah são vistos actualmente no Médio Oriente como cúmplices de um acto de estupidez que trouxe a ruína a uma nação árabe. E a falha do Irão não auxiliar os seus aliados xiitas em batalha com Israel expõe-nos como pouco mais que heróicos guerreiros islâmicos da propaganda de Teerão.

De facto, a impotência aparente por parte do Irão em auxiliar o Hezbollah , enquanto Bush dá uma mãozinha livre a Israel no Líbano, pode forçar o Irão a mostrar que ainda tem poder suficiente para danificar os interesses dos E.U.A.. Denunciações públicas de Israel pelo regime, apoiado pelos E.U.A. e dominado pelos xiitas, de Bagdade pode ser um indicador de onde o Irão tenciona exercer o seu ajuste de contas.

Bashar al-Assad da Síria aparenta ser o único beneficiário da guerra, se é que há algum. Apesar acusada pela acção do Hezbollah, a Síria emerge como a única parte que pode assegurar que os rockets de Teerão não cheguem ao Hezbollah através do vale Bekaa.

Se na altura das tréguas o arsenal de katyushas do Hezbollah se encontrar vazio, e o exército do Líbano e as forças da OTAN sejam mobilizadas para a zona fronteiriça de Israel, será essencial a cooperação da Síria no bloqueio ao reabastecimento do Hezbollah por parte do Irão. Tendo percebido isto, Condi Rice manifestou estar disposta a falar com Damasco. A questão que então se colocará será: qual o preço da cooperação da Síria?

A resposta é aparente. A Síria há muito que procura a reabertura das negociações com Israel acerca da devolução dos Montes Golã, e uma resolução da questão palestina através dum retorno à terra pela paz.

Ariel Sharon e Ehud Olmert, contudo, abandonaram essa via em favor de uma retirada unilateral de Gaza e partes indesejadas da Faixa Ocidental, e a anexação de tudo o resto, incluindo toda Jerusalém e os seus distantes subúrbios. Se Israel recusar discutir os Golã com a Síria, ou negociar com a Autoridade Palestiniana liderada pelo Hamas, é difícil vislumbrar um final para esta crise no Médio Oriente.

Com a devastação que causou no Líbano, o bloqueio da Faixa Ocidental e de Gaza, e a sua determinação em destruir a Autoridade Palestiniana, Israel está a criar Estados falhados em três fronteiras. Como isto serve os melhores interesses de Israel e da América é-me difícil vê-lo.
Patrick Buchanan
24 de Julho de 2006. Retirado do The American Cause.

quarta-feira, julho 26, 2006

De mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista


De boas intenções, continua a estar o inferno das nossas guerras cheio, com destaque para parte significativa dos nossos gongóricos analistas de política internacional, especialistas na ciências dos prognósticos depois do jogo findo. Porque quem ousa mergulhar nas arriscadas ondas da conjuntura, apesar de poder ser arrastado por uma vaga imprevista, raramente tem ciência certa , muito menos daquela que é subsidiada pelo poder absoluto da ordem estabelecida. Só que pode seguir o bom conselho dos velhos, mas não antiquados mestres que, parafraseando o bom Padre António Vieira, sempre misturaram o lume da razão com o lume da profecia, mesmo sem necessidade de bruxarias anti-semitas ou anti-islâmicas. Só poderemos navegar à volta do nosso mundo de forma flexível, se tivermos uma rota de princípios e conseguirmos vislumbrar o sol de frente, decifrando os sinais do tempo.

Tanto devemos denunciar o terrorismo dos poderes erráticos como o terrorismo de Estado, nomeadamente a persistente aplicação de técnicas de guerrilha pelos burocratas da razão de Estado, nomeadamente os que continuar a perfilhar a tese segundo a qual os fins justificam os meios, quando são sempre os meios que justificam um certo fim. Até porque o adversário, profundamente conhecedor de tal técnica do realismo, pode entrar nos requintes da dissimulação combatente.

Numa guerra não está apenas em causa o choque de forças brutas sobre uma terra de ninguém ou uma terra previamente queimada. Em qualquer teatro de operações, há sempre aldeias, vilas e cidades, bem como populações, gentes, multidões e pessoas. E há também, de um lado e de outro, choques de pensamentos e ideias, num jogo onde normalmente perde o que julga deter o monopólio da inteligência, subestimando o outro, isto é, o que é normalmente o diferente, ou o que está mais longe das nossas concepções do mundo e da vida.

Seria interessante que, face à presente crise, os nossos analistas fossem além das glosas e comentários aos vanguardismos da CNN e da Sky-News, tendo a prudência de se munirem com um qualquer intérprete de árabe que lhes desse a perspectiva do que consideram o lado de lá. Assim, até poderiam comunicar-nos como a coisa está a ser transmitida e opinada para as multidões árabes e islâmicas que, do Magrebe à Indonésia, também consomem quotidianamente o drama. Urge ultrapassar a parte que tornaram visível deste "iceberg", sentindo os outros, os que são diferentes do nosso humanismo laico e do nosso humanismo cristão, procurando outros mundos do nosso próprio mundo. O que não está nas "breaking news" pode também ser notícia.

Nesta guerra de informação e contra-informação, em que nos querem fazer a todos contendores, mesmo aqueles meios de comunicação que têm a ilusão de ser isentos acabam por estar dependentes dos armazéns de informação fornecida por suspeitos grossistas dos serviços secretos e das agências oficiosas que a utilizam como arma de guerra. Entre o porta-voz do Hezbollah que faz visitas guiadas aos técnicos da psico que colocam os nossos repórteres de guerra em postos de recolha de imagem previamente articulados pelo processo de controlo da informação, que venha o Diabo e escolha...

Daí o logro daquela hiper-informação que nos vai inundando com notícias secundárias ou repetindo pormenorizadas descrições de indícios banais, onde a floresta dos dados, muitas vezes, apenas pretende desviar a atenção relativamente ao essencial das movimentações que vai circulando por trás das cortinas do visível. O nosso palco dos destaques é curto demais, face aos breves minutos de uma parangona, que é incompatível com a reflexão. Por mim, continuo de mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista. Até porque quando um processo destes atinge a turbulência do "out of control", o crime parece sempre compensar e torna-se bem estreito o espaço dos homens livres e da força da razão.

Aliás, o consumidor da informação de guerra tem sede de sangue sensacionalista e gosta de excitar-se em "voyeurismo" com buracões de bombas e filas de refugiados que procuram escapar ao inferno. Porque assim poderemos estar a alimentar aquilo que Hannah Arendt qualificou como a banalidade do mal que sempre foi uma das mais maléficas e massificadas consequências da própria guerra, nesta aldeia pretensamente global da ilusão hiper-informada a que estamos condenados.

Todos carregamos dentro de nós um pedaço desse lado pútrido da natureza humana, aquela parcela de lodo onde assentámos os pés, mas donde também podemos olhar as estrelas. E todos persistimos em ver o mundo desse lastro de mal que nunca conseguiremos extirpar e onde até quem quer ser anjo acaba por tonar-se a habitual besta das sonoridades sem sentido.

O poder e a consequente guerra que ele gera e que por ele é gerada são constantes em permanente tensão dialéctica com o lado divino desta mistura que nos faz homens. Sempre em equilíbrio instável, entre a procura do paraíso e a matreirice paisana. Há coisas que todos temos medo de dizer, imagens proibidas que nos sobressaltam os sonhos, coisas que nos vão zurzindo a memória e que todos temos receio de verbalizar. Porque, entre as mãos de medo e os filamentos de sonho, apenas sabemos que temos de continuar a viajar por dentro dessa procura, tecendo a esperança. Há sempre restos de um bom tempo por cumprir e, grão a grão, podemos lançá-los numa corrente libertadora, para que naveguemos o mar sem fim que já foi português.

José Adelino Maltez

Retirado do Sobre o tempo que passa. J.A. Maltez está na Magazine Grande Informação.

De erro em erro

A situação que agora se vive no Líbano tem algumas semelhanças com a asneira que foi "o Iraque". Aliás, uma e outra, de certa forma, estão ligadas.

Com a queda de Sadam e a consequente instalação da anarquia no Iraque, o Irão ganhou, de um momento para o outro (meses), um peso na região que de outra forma dificilmente alcançaria. Com isto, pôde não só dedicar-se com mais afinco ao programa nuclear, como assumir sozinho e sem se preocupar com o vizinho do lado a dianteira na cruzada contra o ocidente, armando, estimulando e orientando uma série de grupetas, grupos e grupelhos terroristas instalados nos vários países do médio oriente. Dois deles, já se sabe, o Hamas e o Hezbollah.

Perante as recentes incursões e raptos de soldados por estes levadas a cabo nas fronteiras israelitas, Ehud Olmert poderia ter reagido como fizeram os seus imediatos antecessores em semelhantes situações: uns rockets para Gaza, umas bombas para o sul do Líbano, um gajo de cadeira-de-rodas pelo ar, a captura de uns tipos de barba e turbante, uma resposta de baixa intensidade para gerir o conflito em baixa intensidade.

Mas não. Se em Gaza a reacção foi mais ou menos moderada, no Líbano Israel deu vários passos adiante. Ou atrás, se tudo correr como se começa já a adivinhar.

Uma guerra em larga escala tem de ter razões e objectivos precisos. Defender o território de uma ameaça séria e actual à sua integridade; conquistar (a título mais ou menos definitivo) território alheio ou acabar de vez com um inimigo. Tal como no Iraque, parece que nenhuma destas razões se verifica nem nenhum destes objectivos será conseguido.

O território de Israel, por mais que os defensores da causa se esforcem por tentar demonstrar o contrário, não estava a correr perigo sério e actual. Algumas populações vivem sob medo e tensão, seja por causa do terrorismo intermitente, seja por causa da proximidade a fronteiras hostis. Mas o território, a sua integridade, não estavam a ser ameaçados, até porque, neste momento, nenhum país vizinho tem capacidade para entrar em guerra com Israel, nem tão pouco Hamas e Hezbollah têm arte ou engenho para ameaçar de modo sério a sua integridade territorial.

Por outro lado, Israel não quer, nem pode, ocupar o Líbano e aí instalar-se, transformando-o num enorme colunato. A experiência anterior correu mal, e internacionalmente tal situação tornar-se-ia rapidamente insustentável.

Por fim, Israel também não pode dizimar o Hezbollah, pois o Hezbollah, que não é um Estado, está por todo o lado e em lado nenhum. Para acabar com este inimigo, seria necessário arrazar todo o Líbano, e a seguir toda a Síria, e a seguir o Irão, e a seguir quase todo o mundo muçulmano. Uma vez mais, Israel não quer e não pode ir por aí, pois tal implicaria milhões de mortos, milhões de "danos colaterais".

A situação actual, a continuar por mais algum tempo, levará a um resultado semelhante ao do Iraque. Passar-se-á do mau para o péssimo. Em vez de um Estado fraco (hostil, no caso do Iraque), mas ainda assim controlável (e até amigo, no caso do Líbano), passar-se-á para um território em pantanas, onde reinará a anarquia e proliferarão todos os Hezbollahs deste mundo e do outro. Populações à partida pacíficas, tenderão a revoltar-se e a alinhar com a "guerra ao Ocidente". O Irão será cada vez mais o farol e amparo dos muçulmanos em fúria. Os muçulmanos em fúria serão cada vez mais, os muçulmanos de boa vontade cada vez menos. Israel perderá autoridade moral, crédito e confiança perante a famosa "comunidade internacional". A famosa "comunidade internacional" começará a perder a paciência para com Israel. Tal e qual como acontece com os Estados Unidos no pós-Iraque.

E, no fim de mais esta história, chegar-se-á à brilhante conclusão de que mais valia ter ficado quieto. Ter deixado tudo como estava: uma guerra fria, com alguns pontos quentes. Umas vezes mais, outras vezes menos. Porque tal como não havia armas de destruição massiva em Bagdad, também não haverá milagres em Beirute.

Eduardo Nogueira Pinto

Retirado d'A Sexta Coluna.

Novo dvd da John Birch Society

Seis meses de monstro


Segundo a Direcção-Geral do Orçamento nos primeiros meses deste ano por cada funcionário público que saiu entraram dois. O Governo prometeu exactamente o contrário: entrar um por cada dois que saíssem. Isto mostra que o monstro mexe, esmaga, gasta e não pára de crescer.

O PS julga que o monstro é dominável por dentro. Isto é, sem mudar as funções que o monstro desempenha, por simples arte legislativa. Engana-se redondamente. O monstro tem uma inata e ancestral tendência para crescer e multiplicar-se.

Peritos, assessores, técnicos, grupos de trabalho, consultores, requisitados, avençados, tarefeiros, contratados, adjuntos, secretárias, unidades de missões, motoristas, cozinheiros, seguranças, administrativos, auditores, inspectores, examinadores, todos aumentam sem dó dos políticos nem piedade do orçamento.

O monstro português precisa de amputação vital. Porque o país não aguenta o preço da comezaina do bicho. O problema é que para isso seria necessário um novo contrato social, como tenho defendido, em que os pagantes da alimentação definissem o que é que o monstro deixaria de fazer para passar a comer menos. E esse é o problema: quando chega a nossa vez, esperamos sempre que seja o monstro a encher-nos a dispensa.

Jorge Ferreira

Retirado do Democracia Liberal. Jorge Ferreira está no Tomar Partido.

Bronca a bronca


Desta vez foram os exames nacionais.

Eu faço ideia do que sucederia se os exames fossem elaborados por uma instituição privada: seria condenada ao fogo mediático da incompetência, demissões e fim à vista. Mas, tratando-se do Estado, nem uma demissão, nem uma acusação de incompetência, ninguém, a não ser a Ministra – que, evidentemente, não deverá ter qualquer controle sobre a elaboração de exames –, é chamado à responsabilidade e processado.

A ministra pode servir de bode expiatório, mas nada mais do que isso. Quando a Educação mudar de ministro – se lá chegar – tudo continuará na mesma.

É curiosa – e perigosa – a confiança cega que as pessoas depositam no Estado, aturando aos seus responsáveis todas as incompetências e alarvidades, que nem por sombra tolerariam à iniciativa privada. É como se, pelo facto de alguém trabalhar no Estado, isso o elevasse a um estado de beatitude inquestionável. Talvez seja por haver só um Estado.

Isto já para não lembrar que se esta bronca tivesse acontecido há dois anos atrás daria para derrubar três governos do Dr. Santana Lopes.

Enfim, é a moral do sistema no seu melhor: dois pesos e duas medidas. A gravidade dos acontecimentos não está nos acontecimentos, mas sim em quem é o responsável.

É evidente que isto tem tudo a ver com os lugares comuns do pensamento político caseiro, com a esquerda e com a direita parlamentar, que eu, combatendo ambas, resumo da seguinte forma: a esquerda tem a direita que criou; a direita tem a esquerda que merece.

Sendo assim, a melhor maneira de fazer esquecer esta bronca é arranjar imediatamente outra.

Manuel Brás

Retirado do Democracia Liberal.

A verdadeira união europeia

No presente mês a NovaDemocracia acompanhou uma vez mais os pescadores portugueses com o intuito de ouvir as suas preocupações.

Desde reuniões até à observação “in loco” na noite de 19 para 20 do presente mês, o Presidente e uma Comitiva da NovaDemocracia ouviram e acompanharam os pescadores. Como testemunhas, nada melhor do que a presença da Comunicação Social.

Foram inúmeras as observações feitas pelos pescadores, mas mais do que transmitir as suas preocupações, colocarei dados oficiais do Eurostat para reflexão. São números que tudo dizem em relação ao panorama das pescas da União Europeia (UE). Por aqui se vê como Portugal é conduzido pela UE, não esquecendo que o nosso País tem a área marítima mais extensa da Europa, e a maior da União Europeia, com uma dimensão 18 vezes superior ao território nacional.

Dados do Eurostat:

Número de Pescadores em Portugal 1990 – 38.700
Número de Pescadores em Portugal 2003 – 20.033

Quanto à quantidade pescada GT (Grass Tonnage):

Portugal 1994 – 136.005
Portugal 2005 – 108.697

Espanha 1994 – 644.226
Espanha 2005 – 487.397

Dentro dos membros da UE, todos diminuíram a quantidade de pescado, com excepção dos seguintes Estados:

França 1994 – 182.994
França 2005 – 215.116

Irlanda 1994 – 59.047
Irlanda 2005 – 87.753


Por aqui se analisa o trabalho eficaz dos nossos Euro deputados.

A NovaDemocracia ainda não tem Euro deputados eleitos mas tem vindo a transmitir aos Pescadores, que recentemente aderiu ao Grupo Político EUDemocrats, pelo que estes poderão colocar quaisquer questões que entendam pertinentes, através da NovaDemocracia, ao Parlamento e à Comissão Europeia, as quais serão colocadas pela voz do PND no Parlamento Europeu, o Grupo ID (Independence/Democracy Group).

Para concluir, apenas referir que com os dados aqui enunciados, prova-se claramente o tratamento desigual promovido pela União Europeia, sendo no presente prejudicial aos interesses de Portugal.


Sandro Neves
sandroneves@pnd.pt
Porto, 23 de Julho 2006

Retirado do Democracia Liberal.

...

Sobre este último número da Atlântico creio que o interesse geral recairá sobre a entrevista à líder da resistência iraniana, mas confesso que até agora só li o texto da Carla Hilário Quevedo... não fosse eu um fã assíduo.

Amanhã nas bancas (e hoje na minha caixa de correio)

Revista Atlântico.

terça-feira, julho 25, 2006

Sem espaço para a paz

Um velho carismático, molhado até aos tornozelos, murmurava qualquer coisa, à vista da outra margem: envolta em névoa, estava a Palestina, e as muralhas de Jericó. A água ultra-salgada do Mar Morto impedia-nos de mergulhar, e qualquer ferida no corpo ardia como uma tortura.

Pelas seis da tarde, um grupo de soldados jordanos veio avisar-nos. Era preciso sair depressa da água. Um alerta dos serviços secretos em Amã, transmitido aos vizinhos israelitas (que nos seguiam com os binóculos), indicava a possibilidade de infiltrações na margem ocidental do Jordão, ou até ao porto de Eilat, para atentados de “solidariedade” com o Hezbollah.

Horas antes, do alto do Monte Nebo (onde Moisés terá morrido), víamos a distância deste enclave cristão (franciscano) da tolerante Jordânia, em relação aos pontos de conflito: estávamos a poucos quilómetros de quase tudo. Jerusalém, Ramallah, Nablus, os Montes Golã. Um dos problemas do Médio Oriente é esse: a demasiada proximidade de tribos, clãs, países em guerra. Não há cinturões de segurança, terra de ninguém, bolsas de aproximação, zonas verdadeiramente desmilitarizadas. Em suma, não há espaço para a paz.

O Hezbollah preparou-se bem para esta guerra “assimétrica”. A sua liderança político-militar (Nasrallah, Mugnyeh, Harab, Akil, mais dez) está espalhada e, aparentemente, segura, algures entre Hermel, no Norte, o devastado quarteirão de Haret Hreik, em Beirute, o vale de Bekaa, às portas da Síria, e um alegado ‘bunker’ construído pela RDA, há algumas décadas. As suas unidades de foguetões, amplamente municiadas, continuam a mover-se junto à fronteira, entre Baqura, Rmaich, Bent Jmail.

No porto da capital, o míssil C802 ‘Bicho de Seda’, que atingiu a plataforma de helicópteros da corveta israelita Aki-Hanit, foi lançado com precisão, numa salva de dois, com cumplicidade evidente da ‘marinha’ libanesa. Quanto ao míssil Zelzal interceptado pela força aérea judaica (e confundido com a queda de um ‘caça’), era uma óbvia escalada. Embora o “Partido de Deus” possa só ter 11 operacionais, o alcance de 170 quilómetros coloca Telavive em xeque.

Muitos perguntam por que é que Israel não se limitou, desde o início, a ocupar uma zona de segurança de uns 30 a 40 quilómetros, a Sul do Líbano, sobretudo tendo em conta que a conhece bem, desde que a invadiu. Impedia-se assim o disparo útil de uns 80 a 90% dos ‘rockets’ usados, protegia-se a população da Galileia, desmantelava-se apenas a parte militar da agressão. Mas os estrategos e analistas do Monte Miron sabem que o ‘cancro’ está demasiado espalhado.

Um ataque por terra tem custos superiores ao que se pensa, num país com menos de 6 milhões de pessoas, e meio milhão de reservistas, desabituado (ou cansado) de sacrifícios.

Nuno Rogeiro

Retirado do Correio da Manhã, 23 de Julho de 2006.

O que todos sabem e alguns fingem ignorar

Há meses que o Partido Comunista vem enchendo o País com a frase: "Público é de todos; privado é de alguns." Trata-se, sem dúvida, de um slogan elegante, apelativo e contundente. Mas que quererá significar? Considerada em si, a afirmação é claramente falsa. Será que só alguns têm acesso a comida, vestuário e habitação, cujo fornecimento é privado? E será que o Teatro Nacional de São Carlos, o Instituto Diplomático e o ensino superior público são para todos?

É possível que a frase se refira antes ao facto de, sendo os serviços do Estado mais baratos que as empresas do sector, tal permitir o acesso a todos, e não só a alguns. Mas serão mesmo mais baratos? Toda a gente sabe que a verdadeira diferença entre os organismos públicos e privados é que estes se pagam no acto da compra, enquanto os primeiros são financiadas por impostos. Assim, esses serviços são de todos, não por serem mais baratos, mas porque todos, queiram ou não, são obrigados a pagá-los.

Só que toda a gente sabe que entre nós tal não significa que sejam mesmo de todos, porque nem todos pagam impostos. Devido à forte evasão fiscal, a carga tributária descai para cima dos trabalhadores por conta de outrem. Assim, o que se deve dizer é que os serviços privados são pagos pelos clientes, enquanto os públicos são pagos pelos pobres. Em ambos os casos só alguns estão envolvidos.

Talvez a frase tenha a ver, não com esta abordagem economicista, mas antes com o propósito último das instituições. Afinal, as empresas privadas têm fins lucrativos, mas os serviços do Estado existem para servir o cidadão. Então, o que se quereria pôr em destaque seria o contraste entre a visão egoísta do mercado e solidária das repartições públicas.

Mais uma vez, porém, uma inspecção cuidadosa lança dúvidas nessa interpretação. Uma empresa, qualquer empresa, só tem sucesso e influência enquanto satisfizer os seus clientes.

Fala-se muito sobre o poder económico, sobretudo das grandes firmas, mas toda a sua autoridade vem apenas de conseguir vender. No dia em que a empresa perca essa popularidade junto dos fregueses, nesse dia deixa de existir, por muito poderosa que fosse.

Até Coca-Cola, Microsoft, Shell e outros gigantes jogam todos os dias a sua sobrevivência no mercado. Já vimos grandes potentados ruir em semanas por causa da obsolescência dos produtos ou erros de gestão.

Nenhuma empresa, por muito poderosa que julgue ser, consegue hoje existir vendendo telexes, réguas de cálculo ou iluminação a gás, que já foram bem populares. Os ministros são eleitos de quatro em quatro anos e os funcionários públicos têm empregos para a vida, mas as empresas estão diariamente sujeitas à catástrofe.

Isso tem um efeito dramático sobre a tal frase. É que as empresas privadas funcionam para servir os clientes, não por altruísmo ou simpatia, mas por regra elementar de mercado. Pelo contrário, os serviços públicos não apostam aí a sua acção. Um organismo do Estado tem êxito se mantiver alegre, não o cidadão e utente, mas o chefe de repartição, o director--geral e o ministro. A medida do seu sucesso não está na satisfação do público mas, quando muito, em regras de procedimento e índices de produtividade.

Aliás, mesmo no que toca ao egoísmo dos fins lucrativos, serão os serviços públicos assim tão desinteressados? Vendo os telejornais, temos de dizer que a principal diferença é que, enquanto a cobiça das empresas é disfarçada, a dos funcionários vem apregoada nas manifestações por mais salários e reivindicações públicas de regalias. O desprendimento anda muito omisso.

Para testar este ponto, basta fazer algumas perguntas elementares. Se o leitor fosse escriturário, professor ou motorista, onde é que preferiria trabalhar, no sector privado ou no público? Se, por outro lado, for aluno, passageiro ou doente, onde preferia ser atendido, no privado ou no público? Isto, aliás, recoloca a questão inicial. Qual é mais barato, o serviço privado, que presta contas ao fim do mês, ou o do Estado, dominado pela corporação particular? O que se assistiu em Portugal foi precisamente ao empolamento dos custos públicos, paralelo à crescente irritação dos utilizadores.

Será então que a frase não tem sentido? Não, ela diz algo muito importante.

Significa que o PCP deixou de ser um partido de utentes, que sabem bem que o público não é de todos, para passar a ser dominado pelos interesses das corporações que vivem de manter essa ilusão.

João César das Neves

Retirado do Diário de Notícias, 24 de Julho de 2006.

Acabado de assistir

Com Bridget Fonda.

sábado, julho 22, 2006

Não, esta não é a “nossa guerra”


O meu país foi “reduzido a escombros”, afirmou Fouad Siniora, o primeiro ministro do Líbano, enquanto o número de baixas entre o seu povo ultrapassa os 300 civis mortos, 1.000 feridos e meio milhão de desalojados.

Israel deve pagar por esta “bárbara destruição”, afirmou Siniora.

Pelo contrário, afirma o colunista Lawrence Kudlow, “Israel está a cumprir o desígnio de Deus.”

Na televisão americana o anterior primeiro ministro israelita, Binyamin Netanyahu, afirmou que a ruína do Líbano é da responsabilidade do Hezbollah. Mas é o Hezbollah que está a utilizar F-16 construídos pelos E.U.A. com bombas de precisão teleguiadas e peças de artilharia de 155mm para espalhar a devastação e a morte no Líbano?

Não, quem o está a fazer é Israel, com a benção e sem o mínimo protesto do presidente Bush. E depois questionamos porque nos odeiam.

“Hoje, somos todos israelitas!” vociferou Ken Mehlman da Comissão Republicana Nacional num encontro de Cristãos Unidos por Israel.

Uma pessoa questiona-se se estes cristãos se importam com o que está a acontecer aos nossos confrades cristãos no Líbano e em Gaza, que ficaram sem energia devido aos bombardeamentos aéreos israelitas, uma forma ilegal de punição colectiva, que os deixou sem instalações sanitárias, com comida apodrecida, água impura e dias sem luz ou electricidade à mercê do horrível calor de Julho.

Quando ocorrem falhas de energia durante o Verão na América isto reflecte-se num aumento da taxa de mortalidade entre os nossos doentes, cidadãos de terceira idade, mulheres e crianças. Só conseguimos imaginar que inferno serão actualmente as cidades de Gaza e Beirute.

Mas toda esta carnificina e destruição limitaram-se a aumentar a sede de sangue dos guerreiros de peito peludo do The Weekly Standard. Num editorial assinado, “É a Nossa Guerra”, William Kristol apela à América para que esta ocupe o seu legítimo papel nesta guerra ao “reagir a este acto de agressão por parte do Irão com um ataque militar às instalações nucleares iranianas. Porquê esperar?”

“Porquê esperar?” Bem, uma das razões será porque os Estados Unidos não foram atacados. Outra razão será uma pequena coisa que dá pelo nome de Constituição. De onde reterirá George W. Bush a autoridade para desencadear uma guerra contra o Irão? Quando foi que o Congresso declarou guerra ou autorizou uma guerra contra o Irão?

A resposta: nunca o fez. Mas estes neo-conservadores importam-se tanto com a Constituição agora como se importaram com a verdade quando mentiram para começar a guerra no Iraque.

“Porquê esperar?” Que tal pensar no destino daqueles 25.000 americanos que se encontram no Líbano se lançarmos uma guerra sem provocação contra o Irão. Quantos acabariam mortos ou como reféns do Hezbollah, se o Irão desse ordem de retaliação pela chacina dos seus cidadãos por bombas dos E.U.A.? O que aconteceria às 130.000 tropas no Iraque se os xiitas e os “voluntários” iranianos unissem forças para exercer a sua vingança sobre os nossos soldados?

E a América? Richard Armitage, que serviu quatro comissões no Vietname e sabe um pouco sobre guerra, afirma que, na sua habilidade de atacar alvos ocidentais, a Al Qaeda é da segunda divisão e o Hezbollah é da primeira divisão. Se Bush bombardear o Irão, o que evita o Hezbollah de lançar ataques de retaliação no interior dos Estados Unidos?

Não escrevo nada disto em defesa do Hamas, do Hezbollah ou do Irão.

Mas nenhum deles atacou o nosso país, nem a Síria o fez, a qual Bush I transformou num aliado durante a Guerra do Golfo, e à qual o soldado mais condecorado da História de Israel, Ehud Barak, ofereceu 99 porcento das montanhas Golan. Se Nixon, Bush I e Clinton conseguiram lidar com Hafez al-Assad, um cliente mais duro que o seu filho Bashar, qual é o problema de George W. Bush?

A última superpotência é impotente nesta guerra porque permitimos que Israel ditasse a quem podemos ou não falar. Portanto, Bush acaba a desabafar em São Petersburgo que alguém devia dizer aos sírios para pararem isto. Porque não pegar no telefone, Sr. Presidente?

Quais são as bases moral e legal de Kristol para uma guerra contra o Irão? Será o “acto de agressão iraniano” contra Israel, e porque o Irão se encontra na via do armamento nuclear, e não podemos tolerar isso.

Mas não existem quaisquer provas de que o Irão tenha um controlo forte sobre o Hezbollah tal como não o temos sobre Israel, cuja resposta à captura de dois soldados teve toda a espontaneidade do Plano Schlieffen. E, novamente, o Hezbollah não nos atacou, atacou Israel. E não existem quaisquer provas sólidas de que o Irão se encontre em violação do tratado de não proliferação nuclear, o qual assinou, e o qual Israel recusa assinar.

Se o programa nuclear do Irão justifica uma guerra, porque é que os neo-conservadores não orientam essa questão pelo modo constitucional, em vez de incitarem Bush a lançar um ataque à Pearl Harbor? Terão receio de não lhes sobrar qualquer credibilidade depois de empurrarem Bush para a sangrenta confusão do Iraque que já custou cerca de 2.600 mortos e 18.000 feridos americanos?

Não, caro Kenny, nós não somos “todos israelitas”. Alguns de nós ainda pensam em si como americanos em primeiro e em último lugar e sempre. E, não, Sr. Kristol, esta não é a “nossa guerra”. É a sua guerra.

Patrick Buchanan

21 de Julho de 2006, retirado do The American Cause.

A guerra deste Verão


Está visto que a miniguerra deste Verão, em décima edição, é a de Israel et alii, entre palestinianos, o Hezbollah e habituais suspeitos. Mais uma vez todos já disseram tudo sobre o tema. Desde os que estão nos segredos das conspirações do Médio Oriente, até aos mais fundamentalistas de um lado e de outro, que repetem sempre o mesmo, qualquer que seja a conjuntura. Deixemos também de lado os especialistas de relações internacionais, que nunca se surpreendem e estão habituados às cruezas da guerra.

O conflito abre sempre nos comentadores uma surda clivagem esquerda-direita, ainda que com tonalidades mais esbatidas e com uma curiosa versão local. Há os defensores de Israel, que diabolizam os palestinianos e se enervam perante a tendência cristã para a compaixão com os mais fracos, nesse caso os habituais cem civis palestinianos e algumas centrais eléctricas, para um militar israelita. A coisa fica mais complexa para eles, pois uma bela parte da direita é católica, partilhando dessa ilusão. Há também os anti-imperialistas do costume, que não perdem uma oportunidade de acusar Israel de existir.

Neste novo episódio há, como sempre, um ponto insofismável: Israel enquanto Estado soberano é uma entidade colonizadora da área étnico-cultural palestiniana, ora formal ora informalmente. Ao contrário do que se pode pensar, as democracias não são apenas a soma da diversidade moral dos seus cidadãos e a democracia israelita é corrompida pela ocupação e sistemática opressão do outro, mesmo que este não seja o que nós gostaríamos que fosse. É esta a ironia do colonialismo, mesmo que o após (muitas vezes a opressão seguinte) possa ser mais sinistra. A Europa conhece bem o tema.

A sequência vertiginosa do ataque a Gaza e ao Líbano poderia confundir a diferença entre os ataques a Israel de uma organização miliciana radicalizada pelo Irão, que já deveria estar dissolvida, e a questão primordial da sabotagem sistemática à construção de um Estado palestiniano viável. Felizmente são muitas as vozes da comunidade judaica, dentro e fora de Israel, que partilham desta preocupação. Ainda ontem recebi de um professor de uma universidade de Lisboa, Alan Stoleroff, um e-mail significativamente intitulado Ester Mucznik não fala por mim. Ainda bem que não fala.

António Costa Pinto

Retirado do Diário de Notícias, 22 de Julho de 2006.

A guerra de sempre


Evito sempre escrever uma linha que seja sobre Israel. Em primeiro lugar porque é um assunto armadilhado por fanatismos vários e quase me convenço, por isso, que a pacificação da zona é uma impossibilidade. Em segundo lugar porque sou instintivamente pró-Israel. Admiro Israel e a sua fatídica História, muitos dos escritores que aprecio são (ou foram) judeus e o mundo em que apesar de tudo mais me revejo tem uma origem judaico-cristã (a velha conversa sobre a importância do hífen). Depois, desde 1948 que Israel está em guerra com a vizinhança. A vizinhança não se recomendou e nunca se recomendou. Não esqueço que Israel é uma democracia cercada por ditaduras paranóicas. E antes da Europa ou dos Estados Unidos conhecerem o que é o terrorismo moderno, já Israel tinha sofrido na pele o fenómeno. Não é brincadeira.

Sucede que há outras razões. Sempre que o assunto é Israel acabamos por ter de relembrar algumas evidências. A guerra em curso de Israel no Sul do Líbano pode ser uma resposta à desordem dos tempos e, muito em especial, ao caos em que se transformou o Médio Oriente. Mas não é em absoluto uma guerra nova. Na essência, Israel perpetua uma guerra contra os países árabes porque os países árabes continuam a recusar que Israel exista.

Em 2000, Israel saiu do Sul do Líbano que depois disso passou a ser controlado pelo Hezbollah; em 2005 deixou Gaza. O Sul do Líbano e a Faixa de Gaza têm sido usados pelos movimentos terroristas para sucessivos ataques de rockets contra Israel. O Hezbollah tem ligações ao Hamas. O Hamas tem ligações à Síria. E tanto o Hamas como o Hezbollah gozam da sádica protecção do Irão, agora em fase nuclear.

Com um Governo inepto do Hamas na Palestina, um Hezbollah descontrolado no Líbano, a cumplicidade da Síria e o lunático Presidente do Irão, não se pode esperar dos israelistas brandura e benevolência. Não se pode esperar que sacrifiquem a sua segurança, que se abstenham. É uma guerra de um contra muitos. Como sempre foi.

Pedro Lomba

Retirado do Diário de Notícias, 22 de Julho de 2006.

Ordem dos Advogados deixa Júdice a falar sozinho


Se o ambiente na Ordem dos Advogados (OA) era já de um intenso mal-estar, o que aconteceu ontem no julgamento do ex-bastonário José Miguel Júdice abriu definitivamente uma crise na instituição. E há já quem fale na eventualidade de se criar uma vaga de fundo para novas eleições.

O que aconteceu ontem no salão nobre da Ordem foi que os membros do Conselho Superior da OA - que estão a julgar Júdice com base nas acusações de que teria solicitado o Estado como cliente e ofendido o prestígio da instituição - deram 30 minutos para Júdice se defender e abandonaram a sala quando o ex- -bastonário atingiu essa meia hora e se recusou a terminar as suas alegações nos dez minutos seguintes. Júdice ficou literalmente a falar para a parede que estava escassos metros diante de si e para as cadeiras que os conselheiros deixaram vagas. Atrás de si estavam os mais de cem apoiantes que quiseram assistir à audiência e que não arredaram pé.

Antes, tinha já acontecido uma troca de duras palavras e até de agressões verbais entre o relator dos dois processos disciplinares , Alberto Jorge Silva - que o ex-bastonário tratava por "Dr. Silva" - e Júdice.

Mas vamos ao princípio. O primeiro a falar, ainda de manhã, foi o relator, que, durante hora e meia, leu a acusação referente ao primeiro processo - instaurado depois de Júdice ter dito numa entrevista que o Estado devia consultar sempre as três maiores sociedades de advogados, onde se inclui a sua. Alberto Jorge Silva disse, por exemplo, que Júdice proferiu uma "agressão gratuita" ao dizer que era idiota a pena proposta - a advertência. Acusou o ex-bastonário de "inútil sobranceria", de "falta de humildade" e classificou de "patético" o abaixo-assinado que vários apoiantes de Júdice subscreveram.

Mas, no final da leitura do relatório, o relator pediu o arquivamento do processo e a absolvição do arguido, por entender que Júdice tinha "actuado sem culpa, por falta de consciência da ilicitude". O ex-bastonário ficou indignado, disse que repetia tudo o que tinha dito e desafiou o Conselho Superior a abrir novo processo e, também, a processá-lo criminalmente.

Aquando da leitura do relatório referente ao segundo processo - instaurado depois de Júdice ter criticado a actuação do Conselho Superior, - , o relator acusou o ex-bastonário de não ter "dado uma imagem de credibilidade à advocacia", de ter praticado uma "agressão persistente ao prestígio da Ordem" e de ter "violado o dever de urbanidade". E pediu a condenação do arguido na pena de suspensão efectiva da actividade de advogado por um período de quatro meses e 15 dias.

A reacção de Júdice

Chegara a vez de Júdice falar, passava já das 15.00. Laureano Santos, presidente do Conselho Superior, deu-lhe trinta minutos para fazer a sua defesa. Logo aí reabriram-se as hostilidades. "Pode ter a certeza de que não me calo. Só sairei daqui quando terminar o que tenho a dizer, sob prisão ou à força", avisou o ex- -bastonário. E assim foi.

Dirigindo-se ao relator, ao "Dr. Silva", o ex-bastonário mostrou-se indignado por aquele ter pedido o arquivamento do primeiro processo. "O Dr. Silva está há três horas a ofender-me para depois dizer que não tenho consciência da ilicitude e que sou inimputável", atirou Júdice, rematando: "Um de nós é inimputável, ou é vossa excelência ou sou eu." E continuou, sempre no mesmo tom. Disse que Alberto Jorge Silva era "indigno das funções" que exercia na Ordem, acusou-o de ter "uma vesga vontade de condenar" e sustentou que o processo disciplinar foi "uma instrumentalização da Ordem com finalidades políticas". Visivelmente irritado, Júdice acusou ainda Alberto Silva de "não ter as mínimas condições éticas, psicológicas e jurídicas para ser julgador de uma manada, quanto mais de advogados".

Passaram os trinta minutos. Júdice disse que não se calava e o Conselho Superior saiu da sala. O ex- -bastonário continuou por mais duas horas a ler a sua defesa. Para a parede. Para os apoiantes. Negando as acusações e criticando o Conselho Superior de "cobardia", de falta de "imparcialidade, serenidade e independência" para o julgar - "Esta não é a minha Ordem."

Inês David Bastos

Retirado do Diário de Notícias, 22 de Julho de 2006.

O Ocidente, a família e o Papa


A correcção política e o discurso dominante constituem os instrumentos de verbalização do relativismo moral. De facto, o relativismo moral precisava de um "nim", ou seja, um nem sim nem não, onde coubesse sem estorvo isto e o seu contrário. Se a correcção política administrada em doses maciças está já a saturar o cidadão comum e a envergonhar os supostos intelectuais, o relativismo moral progride no seu intuito desconstrutivista operando, só por si, transformações que não sendo nem pensadas nem digeridas pela maioria das pessoas, têm contudo consequências na vida de todos nós.

A família foi um dos alvos mais importantes desta nova "cultura". A verbalização do primeiro ataque limitou-se à substituição do singular pelo plural: famílias. Ficou estabelecido que era politicamente incorrecto o singular, pois tal seria a negação ou a recusa do reconhecimento de outras realidades igualmente dignas de atenção: a família nuclear, a família alargada, a família monoparental, as uniões de facto, etc...

As novas categorias apareciam como conquistas dos tempos modernos e a família, a tal, passou a ser referida como a "tradicional", uma espécie residual em vias de extinção. E como este era o discurso dominante, quase ninguém exprimiu a dúvida pertinente quanto aos benefícios destas conquistas. As famílias monoparentais, sabemos, resultam na sua esmagadora maioria do facto de os homens abandonarem as mulheres e os filhos, ficando estas entregues a si próprias e à dura missão de prover às necessidades da família agora reduzida a um único adulto, a mãe. Esta monoparentalidade é, aliás, um dos factores que mais contribui para a crescente feminização da pobreza. Por outro lado, a distinção conceptual entre família nuclear e alargada resulta de meras circunstâncias: a exiguidade da habitação, a especulação imobiliária e uma lei do arrendamento totalmente desadequada, o êxodo forçado dos mais novos para as periferias, a morte dos bairros, tudo forçando o afastamento entre avós, filhos e netos, reduzindo a capacidade de entreajuda, a complementaridade nos afectos e nas tarefas, a convivência plurigeracional e aumentando a solidão e o sentimento de desamparo dos mais velhos. Em Espanha, onde tudo é avaliado, os números indicam que poucos recorreram à união de facto, após a entrada em vigor da nova lei, sendo possível concluir que não seriam muito numerosas as pendências nesta matéria... Em breve teremos os números dos casamentos celebrados entre homossexuais.

Quando o Papa Bento XVI se reúne em Valência com milhares de famílias vindas de todo o mundo e portadoras de um testemunho de vida, estamos sem dúvida perante um acto religioso de confirmação de valores morais cristãos e, nessa medida, aparentemente só relevantes para os que professam esta fé. Mas não me parece que assim seja. Porque o Papa veio, também, relembrar a uma sociedade confusa e inquieta o valor da família como o pilar que sustenta o indivíduo e a sociedade, da família como o âmbito privilegiado onde cada pessoa aprende a dar e a receber amor, da família como instituição intermédia entre o indivíduo e a sociedade insubstituível nessa mediação porque assente numa profunda relação interpessoal, da família como uma escola de humanização do homem no seu processo de crescimento, da importância dos avós na memória dos afectos, nas raízes e no testemunho de vida. Nada muito diferente do que ficou dito no rescaldo do Ano Internacional da Família promovido pelas Nações Unidas, quando os países contabilizaram os enormes prejuízos decorrentes da fragilização do tecido familiar e da transferência para o Estado de funções desde sempre cometidas à família. Prejuízos visíveis na incapacidade de resposta dos sistemas sociais, no aumento da delinquência, das dependências, do abandono, da solidão, das novas doenças.

É, afinal, o reconhecimento do interesse público da família, o mesmo reconhecimento que levou o legislador a dar-lhe particular tratamento no Código Civil. Porque só assim se entende a redacção do artigo 1577 que inclui na noção de casamento, como um dos requisitos, o intuito de constituir família, mediante uma plena comunhão de vida. Na verdade, se não fosse reconhecido este interesse público, estaríamos apenas no domínio da moral e não faria sentido que o legislador viesse dispor sobre os termos em que esta "plena comunhão de vida" se processa.

Sempre se poderá dizer que basta mudar a norma para varrer a consagração daquilo que é sobretudo antropológico. Mas sabemos que se umas dezenas de deputados podem mudar a lei, não poderão certamente mudar a natureza das coisas. E não vale a pena confundir a necessidade, que todos reconhecemos, de tratar juridicamente novas realidades sociais, com a subversão absoluta de instituições indispensáveis à saúde e ao desenvolvimento da pessoa e das comunidades. Sobre esta como sobre tantas outras questões relevantes, as sociedades ocidentais vivem tempos de confusão. Pensar assim é malvisto pelos "donos" do pensamento dominante que actuam como censores ditatoriais, banindo os desconformes e silenciando os críticos. O resultado é a impossibilidade prática de reflectir nas consequências das escolhas. Que para serem livres precisam de ser reflectidas.

Bento XVI reflectiu muitos anos como teólogo e cardeal Ratzinger sobre tudo isto. E sobre a grande crise que a Europa atravessa, de dúvida profunda sobre si mesma, dos valores que sedimentaram a sua cultura, do seu lugar no mundo, da sua matriz, afundando-se numa decadência lenta e dolorosa. Para os católicos a escolha do tema - a família - do momento e do local, tem particular e inequívoco significado no cumprimento da missão pastoral e evangelizadora do Papa. Mas, para todos, as suas palavras libertas podem constituir matéria de reflexão. O que torna esta viagem ainda mais oportuna.

Maria José Nogueira Pinto

Retirado do Diário de Notícias, 21 de Julho de 2006.

quinta-feira, julho 20, 2006

A abolição do Homem e o triunfo da Natureza


O escritor irlandês C.S. Lewis (1898-1963) tornou-se relativamente conhecido no Brasil após o lançamento do filme As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Compondo uma série de sete excelentes histórias infantis, As Crônicas de Nárnia não representam, no entanto, o que há de melhor nos escritos de Lewis: seus livros de não-ficção.

Lewis foi ateu por muitos anos até que, em 1929, converteu-se ao Cristianismo, passando a freqüentar a Igreja Anglicana e a participar de seus ritos e cultos. Sua maior preocupação, porém, não era propagar especificamente a doutrina anglicana, mas explicar aos leitores os fundamentos do Cristianismo, fundamentos esses que Lewis entendia serem comuns a todas as denominações cristãs. Mas talvez ainda mais importante do que suas obras apologéticas sejam as contribuições de Lewis para refutar as bases do pensamento modernista, que se julga evoluído e mais inteligente em relação a seus antepassados atrasados, supersticiosos e burros.

The Abolition of Man (A Abolição do Homem) é, certamente, a obra de crítica ao modernismo mais conhecida de Lewis. Como o conservadorismo é, sob certos aspectos, uma reação ao modernismo e suas ideologias políticas - e sendo Lewis ele mesmo um conservador - espero, com este pequeno resumo, contribuir na formação do pensamento conservador brasileiro. Vou concentrar-me no argumento de Lewis, sendo que algumas questões paralelas por ele discutidas, embora pertinentes e importantes, serão desconsideradas, a título de brevidade.

* * *

C.S. Lewis inicia sua argumentação lançando uma crítica ao Livro Verde, escrito por Gaius e Titius. Trata-se de um livro de inglês, destinado a "meninos e meninas das últimas séries". Na verdade, tanto o nome do livro quanto dos autores são pseudônimos, uma vez que o propósito de Lewis é criticar as idéias ali contidas, e não propriamente os autores; Lewis não quer passar a impressão de que tem algo pessoal contra eles.

No segundo capítulo, Gaius e Titius citam a conhecida história de Coleridge na cachoeira. Havia dois turistas presentes: um a chamou de "sublime", e o outro, de "bonita". Dizem os autores: "Quando o homem disse Isto é sublime, ele parecia fazer um comentário sobre a cachoeira... Na verdade... ele não estava falando da cachoeira, mas dos seus próprios sentimentos. O que ele realmente disse foi Eu tenho um sentimento que minha mente associa à palavra 'Sublime'... Essa confusão está sempre presente na nossa linguagem. Aparentamos dizer algo muito importante sobre alguma coisa, e na verdade estamos apenas dizendo algo sobre nossos próprios sentimentos".

Lewis percebe nesse raciocínio, à primeira vista inofensivo, uma visão-de-mundo repulsiva. Dessa explicação de Gaius e Titius depreende-se que:

1) Todas as frases que contenham julgamentos de valor ('Isto é sublime' etc.) são, na verdade, expressões sobre o estado emocional de quem as emite.

2) Essas expressões não têm nenhuma importância.

Lewis critica duramente tais tentativas modernas de 'desmascarar' emoções, afirmando que (1) fazer crítica literária é difícil, já 'desmascarar' a emoção com base num lugar-comum racionalista está ao alcance de qualquer bocó e (2) a mente dos jovens, ao contrário do que se pensa, não precisa ser resguardada de supostos excessos de sensibilidade, mas, ao contrário, precisa ser "despertada do sono da fria vulgaridade".

Para entender a perversão empreendida por Gaius e Titius, Lewis explica que "Até bem recentemente, os homens em geral acreditavam que o universo tinha uma natureza tal que nossas reações emocionais poderiam tanto ser congruentes como incongruentes em relação a ele - acreditavam, na verdade, que os objetos não são meros receptores, mas podem merecer nossa aprovação ou desaprovação, nossa reverência ou nosso desprezo. O homem que chamou a queda-d'água de sublime não tinha simplesmente a intenção de descrever as suas próprias emoções: ele também afirmava que o objeto merecia tais emoções" (grifos do autor). A partir daí, Lewis cita uma série de autores antigos, desde Aristóteles e Platão até Santo Agostinho, lembrando que a educação tradicional por eles sugerida, ao contrário de 'desmascarar' emoções, era precisamente treinar o jovem a sentir prazer, repulsa e ódio em relação às coisas que realmente são prazerosas, repulsivas e odiáveis.

Em suma, há uma doutrina do valor objetivo, uma ordem objetiva, por assim dizer, ao qual todas as tradições, de uma maneira ou de outra, se referem a respeito do que é o universo e do que somos nós. Pois essa ordem objetiva é a responsável por gerar a convicção de que certas posturas são realmente verdadeiras e outras realmente falsas. A título de brevidade, já que as tradições dão diferentes nomes a essa ordem, Lewis a chamará sempre de Tao. "E, uma vez que nossas aprovações e desaprovações são assim reconhecimentos do valor objetivo ou respostas a uma ordem objetiva, os estados emocionais podem portanto estar em harmonia com a razão (quando sentimos afeição por aquilo que merece aprovação) ou em desarmonia com ela (quando percebemos que a afeição é merecida mas não conseguimos senti-la). Nenhuma emoção é, em si mesma, um julgamento...todas as emoções e sentimentos são alógicos. Mas eles podem ser razoáveis ou irrazoáveis na medida em que se conformam à Razão ou não conseguem conformar-se".

Os homens que estão fora do Tao podem, assim, adotar duas posturas: (1) como Gaius e Titius, devem se empenhar em remover os sentimentos da mente das novas gerações ou (2) encorajar sentimentos por razões que nada tenham a ver com "pertinência" ou "merecimento" intrínsecos.

A primeira opção, isto é, a mera tentativa de neutralizar ou reverter os sentimentos despertados perante objetos e situações, a título de tornar as pessoas "objetivas" ou "racionais" resultará no que Lewis chama de "homens sem peito". Essa expressão foi inspirada em Alanus ab Insulis, segundo o qual a cabeça domina o estômago por meio do peito - que é o trono das emoções transformadas em sentimentos estáveis pelo hábito treinado. A cabeça é a razão, o peito os sentimentos estáveis e o estômago as emoções viscerais, desmedidas, irrazoáveis. Não é sem espanto constatarmos que, atualmente, pessoas assim são chamadas de "intelectuais". Lewis afirma, com um leve toque irônico, que "Suas cabeças não são maiores que as comuns: é a atrofia do peito logo abaixo que faz com que pareçam assim".

Ora, se pensarmos de maneira mais detida sobre essa questão, em especial sobre os autores do Livro Verde, veremos que não é verdade que eles desejem criar "homens sem peito". Isso fica claro quando percebermos que o próprio Livro Verde, o próprio fato de ter sido escrito e publicado, é um desejo de incutir novos valores e sentimentos nos leitores. Parece que os autores desmascaram os sentimentos e valores, e efetivamente o fazem, mas não é verdade que desejem parar por aí, senão não teriam escrito o livro que, exatamente pelo fato de ser sido escrito, manifesta um propósito de propagar novos valores aos jovens.

Titius e Gaius, ou quaisquer Inovadores que, semelhantemente a eles, desejem posicionar-se fora do Tao mas, mesmo assim, encontrar bases "realísticas" para novos valores, podem adotar duas posturas:

1) A base realística do "verdadeiro valor" reside na utilidade da ação para a comunidade. Ou seja, bom é aquilo que é útil para a comunidade. Mas tal postura exige a solução de um dilema: se nem toda a comunidade pode morrer, pois nesse caso a comunidade se extinguiria, então alguns membros dela deverão se sacrificar para proteger toda ela, como soldados num país em guerra. Levanta-se aqui a razoabilíssima questão: "Por que logo eu deveria ser um dos que se arriscam?" No fim das contas, o Inovador terá de apelar, afirmando que "a sociedade tem de ser preservada" é uma proposição racional em si, e não meramente sentimental; mas isso equivaleria, precisamente, a retornar ao Tao!

2) A base realística do "verdadeiro valor" reside nos instintos. Ora, mas isso é uma grande bobagem: dizer que alguém deve agir em obediência ao instinto é apenas uma maneira elegante de dizer que não se sabe por que agir assim. Afinal, alguns instintos devem ser obedecidos, outros não. Mesmo os Inovadores mais empedernidos reconhecem isso. Todavia, voltamos à questão: quais as bases para se privilegiar um instinto e desprezar outro? No fim das contas, o Inovador terá de apelar a um critério de decisão sobreposto ao instinto, dando cabo da própria teoria dos instintos.

Percebemos então, em ambas as posturas acima, que os Inovadores atacam os valores tradicionais, o Tao, fazendo uso velado e deformado do próprio Tao. Lewis afirma que as ideologias surgem exatamente daí: "Tudo aquilo que se pretende ser um novo sistema ou (como se diz agora) uma 'ideologia' consiste em fragmentos do próprio Tao, arbitrariamente arrancados de seu contexto e então hipertrofiados até a loucura em seu isolamento, mas devendo ainda ao Tao, e somente a ele, a validade que possuem". E conclui: "A capacidade da mente humana para inventar novos valores não é maior do que a de imaginar uma nova cor primária, ou, na verdade, a de criar um novo sol e um novo céu no qual ele se mova".

Ora, quando os homens optam por sair do Tao, qual sistema de valores passarão a adotar? Se você não se dispõe a obedecer ao Tao, tampouco a cometer o suicídio, a obediência aos impulsos e gostos imediatos é a única via possível. Quando todas as noções que dizem "isto é bom" são desmoralizadas, permanece a que diz "eu quero".

O homem moderno, os Inovadores e Manipuladores do nosso tempo, sem o Tao ou com um Tao brutalmente deturpado, passam a manipular a Natureza, a fim de satisfazer seus desejos imediatos. É a chamada "conquista da Natureza pelo Homem", um eufemismo para o progresso das ciências aplicadas.

Lewis mostra que essa conquista, além de falsa, é inversa: é a Natureza que está conquistando o Homem. Todas as invenções, todos os "avanços" e "progressos", não representam o poder do Homem sobre a Natureza, mas o poder de alguns homens sobre o resto dos homens com a Natureza como instrumento. Avião, rádio, internet: não se pode dizer que estamos conquistando a Natureza com eles. Afinal, o Homem é tanto sujeito quanto objeto de tal poder: aviões são bons, mas não quando nos jogam bombas na cabeça; o rádio é bom, mas não quando terroristas o usam para intercomunicarem-se; a internet é boa, mas não quando é usada por Manipuladores para vasculhar nossa intimidade.

O que se quer dizer com isso é que essas invenções, muito além de apenas nos trazerem confortos e divertimentos, trazem em si o acúmulo cada vez maior de poder nas mãos de alguns poucos homens, à medida que a modernidade "avança". Lewis nos propõe um exercício de imaginação: como será o século C d.C.? Como estaremos vivendo lá pelo ano 10.000 d.C.? Quanto mais o tempo passa, cada vez menos homens têm cada vez mais poder em suas mãos. "Os últimos homens, longe de serem os herdeiros do poder, serão os que mais estarão sujeitos à mão mortal dos grandes Planejadores e Manipuladores, e serão os menos capazes de exercer algum poder sobre o futuro. Cada novo poder conquistado pelo homem é da mesma forma um poder sobre o homem. Cada avanço o deixa mais fraco, ao mesmo tempo que mais forte. O último estágio virá quando, mediante a eugenia, a manipulação pré-natal e uma educação e propaganda baseadas numa perfeita psicologia aplicada, o Homem alcançar um completo domínio sobre si mesmo. A natureza humana será a última parte da Natureza a se render ante o Homem".

Estes homens do futuro não serão homens: serão artefatos. "A conquista final do homem mostrou-se a abolição do Homem". A raça humana estará sujeita a alguns poucos indivíduos que, por sua vez, estarão sujeitos àquilo que neles mesmos é puramente "natural" - aos seus impulsos irracionais. A Natureza controla os Manipuladores, vencendo-os, em vez deles a vencerem.

Todas as coisas estarão reduzidas à mera condição de Natureza com o propósito, vejam vocês, de "conquistá-las". Isso tudo porque, estando fora do Tao, nossos valores resumem-se a impulsos e gostos. Lewis nos explica que "quando compreendemos uma coisa analiticamente e a dominamos e usamos para a nossa própria conveniência, nós a reduzimos à condição de 'Natureza'...e a tratamos quantitativamente. Realiza-se a supressão de certos elementos, impedindo que tenhamos uma percepção completa do objeto. As estrelas perderam seu aspecto divino conforme a astronomia se desenvolveu, e o Deus Morto não tem nenhuma função na agricultura da era química. As grandes mentes sabem muito bem que o objeto, tratado dessa forma [analítica], não passa de uma abstração artificial, e que com esse processo algo da sua realidade foi perdido".

A esse processo no qual o Homem cede cada vez mais objetos e, finalmente, a si próprio, em busca de poder, Lewis chamada de "oferta de bruxo". Uma expressão certamente surpreendente, uma vez que a nós parece que ciência aplicada e bruxaria situam-se em pólos opostos. Lewis explica, porém, que "Existe algo que une a bruxaria e a ciência aplicada ao mesmo tempo que se separa da 'sabedoria' dos tempos antigos. Para os sábios da antiguidade, o problema principal era como conformar a alma à realidade, e a solução encontrada foi o conhecimento, a autodisciplina e a virtude. Tanto para a bruxaria quanto para a ciência aplicada, o problema é como subjugar a realidade aos desejos dos homens, e a solução encontrada foi uma técnica; e ambas, ao praticarem essa técnica, se põem a fazer coisas até então consideradas repulsivas e impiedosas - tais como desenterrar e retalhar cadáveres".

A solução para esse terrível problema? Lewis até mesmo imagina e cogita uma "ciência regenerada", uma ciência que, ao tentar explicar algo, não abolisse esse algo, adquirindo o conhecimento por um preço mais módico do que a vida. Mas a tarefa de efetivamente propor um plano que reverta ou neutralize a ciência moderna parece estar acima da capacidade de Lewis, que admite nem mesmo saber exatamente o quê está pedindo com essa "ciência regenerada".

* * *

O conservadorismo político, em linhas gerais, levanta-se contra as ideologias: fascismo, comunismo, nazismo e mesmo o 'democratismo'. Resta saber se os conservadores, embora corretos em combater esses males, não absorveram eles mesmos o mal do modernismo, da "conquista da Natureza pelo Homem", do desejo de a tudo e a todos analisar e reduzir a artefatos, a números, a quantidades. Resta saber, afinal, se os líderes conservadores, e talvez parte de sua militância, não se posicionaram eles mesmos fora do Tao, fora do corpo tradicional de valores, doutrinas e conhecimentos que nortearam os homens séculos a fio até bem recentemente.

Os homens do passado tinham lá seus problemas: guerra, fome, opressão. Mas nunca, em toda a história, ouviu-se falar de Estado mundial, de ogivas nucleares, de manipulações psicológicas em massa, de campos de concentração.

Edward Wolff

Retirado da Mídia Sem Máscara.